Existe um cinema antes e um depois de Jean-Luc Godard, isso é fato. Aliás , apenas ele com Acossado (1960) e antes dele, David W. Griffith com Nascimento de uma Nação (1915) dividiram as águas cinematográficas de forma paradigmática. A mudança na linguagem e na perspectiva do cinema como objeto cultural sofreram um tsunami diante esses dois filmes desses dois gênios.

Godard logo virou uma figura pop e ao mesmo tempo mítica durante os rebeldes anos 60. Seus filmes eram verdadeiros eventos imperdíveis para os amantes do cinema. É dessa fase que quase todos costumam se lembrar. Com a loucura de maio de 68, ele entra no coletivo Dziga Vertov, para de assinar filmes e se recusa a confirmar-se como figura pop. Depois, ele saiu de cena, nos anos 70, para voltar nos anos 80 com filmes no mínimo enigmáticos, cheios de referências culturais e visuais difíceis de ser apreendidas pelo público. Para muitos críticos e também admiradores de sua fase dos anos 60, Godard já não faz mais sentido.

Com o lançamento de seu último filme, o enigmático Film Socialisme (2010), nas principais capitais do Brasil e o aniversário do cineasta – que completa 80 anos –  nesta sexta-feira (03), o Virgula perguntou para crítico e cineastas: Jean-Luc Godard é uma referência no cinema. Mas hoje, ele ainda é importante como cineasta? Porque?

“O ocidente tem o péssimo hábito de julgar um artista apenas pelo seu mais recente trabalho e apagar a obra, por mais genial e significativa que ela seja. Godard influenciou gerações e gerações do underground ao mainstream, sua contribuição para o cinema é histórica, o que não é pouco. Talvez ele não produza mais obras primas, mas as que ele nos agraciou nas últimas décadas indiscutivelmente o elevam ao Olimpo da Sétima Arte. Ele produz em média um filme por ano, está em plena atividade aos 80 anos, poderia ter se acomodado com tantos prêmios honorários que ganha mundo afora, mas continua a exercer seu ofício. As obras primas que ele criou como Desprezo, Viver a Vida, Acossado e tantas outras são de tamanha grandeza que acabam por ofuscar outras [obras de Godard]. Talvez no futuro o público passe a olhar para as outras obras e quem sabe descubra tesouros escondidos.

Dionisio Neto, ator, diretor e dramaturgo, proprietário do cabaré O inflamável.

“Pra mim, ele é. Por causa da liberdade dos filmes do inicio, do Acossado, do Vivre sa
Vie, do Le Mepris. ele era abusado, desobediente, fazia coisas que na época e até hoje ninguém esperava. Nunca esqueço e sempre revejo antes de fazer qualquer filme, de começar qualquer filmagem, a cena da Anna Karina [atriz e ex-esposa do cineasta] dançando naquele cafe. E nunca me esqueço dos créditos do Le Mepris, lidos e nao escritos. E nunca deixo de me inspirar pelo jeito como ele filmou o [Jean Paul] Belmondo, a Anna Karina, a [Brigitte] Bardot… Já o cinema que ele foi fazendo lá pro final da dácada de 60, 70 e 80 não conheço muito… Me lembro de Je Vous Salue Marie. Não que ele tenha ficado menos interessante, nao é isso, mas a memoria do começo é mais forte pra mim. E a importância dele como alguém que reflete sobre cinema, que faz e que é critico e que escreve e que desafia, e que provoca, é tao singular essa trajetoria. Os créditos do Céu de Suely são inspirados nos créditos do Vivre sa Vie, tchan! letras grandes que enchem a tela e pronto!”

Karim Ainouz, cineasta, diretor de Madame Satã e O Céu de Suely.

“Sobre essa pergunta, eu te coloco algumas questões: o que é importante para o cinema, hoje? O que faz um cineasta importante, hoje? O próprio cinema ainda é importante, hoje, como fenômeno social, cultural e artístico, como foi no século 20? A questão da “importância” de Godard está intrinsicamente ligada ao valor que se atribui ao cinema. Penso que, atualmente, o público e a crítica das artes plásticas atribuem ao cinema um valor mais forte e dedicam a ele uma atenção mais generosa e interessada do que a chamada crítica de cinema e o distraído público das salas de exibição. Não é à toa que Godard está na Bienal de São Paulo, ao lado de outros grandes cineastas, como Chantal Ackerman e Apichatpong Weerasethakul“.

Alcino Leite Neto, jornalista cultural.

“Em uma época que o dito circuito de arte cada vez mais diminui seu alcance, a voz de Godard é muito bem vinda como uma espécie de resistência. Para mim, pessoalmente, seu cinema que mais encanta são dos primeiros filmes que influenciaram sem volta todo o cinema futuro. A liberdade da linguagem contemporânea tem seus alicerces na revolução da Nouvelle Vague e em especial em Godard.

Philippe Barcinski, cineasta, diretor de Não por Acaso.

Veja trailer do novo filme de Godard, Filme Socialisme:


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Godard ainda é importante como cineasta?