No dia 20 de julho a advogada Roberta Fragoso Menezes Kaufmann protocolou uma ação de mais de 600 páginas pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda imediatamente a política de cotas para estudantes negros e indígenas da Universidade de Brasília (UnB). A ação foi encampada pelo partido Democratas.

Roberta Kaufmann quer a inconstitucionalidade do sistema de cotas e avalia que é apenas “uma política simbólica”, que beneficia a classe média negra e não cria mais vagas na universidade pública. A advogada diz ser a favor de cotas sociais, mas não raciais e também deixa claro ser contra o racismo. “Práticas de racismo não podem ser toleradas. Devia ser crime hediondo. Uma pessoa racista deve ser banida socialmente e eticamente.”

Mestre em direito pela UnB – com a dissertação Ações Afirmativas à Brasileira: Necessidade ou Mito? Uma Análise Histórico-Jurídico-Comparativa do Negro nos Estados Unidos da América e no Brasil –, a advogada teme a importação de políticas afirmativas e avalia que é muito difícil separar, no Brasil, quem é negro e quem é branco. Para ela, a cultura negra é central na identidade brasileira: “os símbolos nacionais são relacionados à cultura negra”.

Confira os principais trechos da entrevista concedida à Agência Brasil.

Que motivos a levaram a entrar com uma ação contra as cotas no Supremo Tribunal Federal?

Roberta Kaufmann: Essa é uma questão que foi objeto de estudo de mestrado que defendi na UnB. Para mim essa é uma questão crucial na sociedade brasileira, ela vem sendo tratada de maneira precipitada. Tanto o racismo quanto a ignorância são extremamente prejudicais para o trato da matéria. Nesse sentido, eu me apresentei voluntariamente para ser advogada do Democratas porque fiquei sabendo que o partido também era contrário a essa política de cotas raciais.

Sua expectativa é que seja revista a aprovação do último vestibular e das matrículas que foram feitas recentemente?

Roberta:  A questão é mais ampla. O problema é o seguinte: o STF até hoje não se manifestou quanto à questão das cotas raciais apesar de já existirem mais de 80 universidades com sistemas de acesso privilegiado. Não temos as cotas raciais sendo discutidas na Corte constitucional. Não é possível que um debate tão importante para o país não esteja sendo realizado pelo tribunal constitucional.

A legislação brasileira prevê há mais tempo cotas para portadores de deficiência e para a participação das mulheres como candidatas nas eleições. Por que a cota racial é que gera polêmica?

Roberta: Isso são ações afirmativas para integrar minorias. O que é minoria depende do contexto histórico, político, social de cada país. Jamais uma pessoa que tenha um mínimo de esclarecimento acerca do direito poderia ser contrário a uma política de ações afirmativas. Uma pessoa que é cega ou paraplégica não pode concorrer em igualdade de condições com uma pessoa que tenha visão perfeita.

Ser a favor de políticas de ações afirmativas como gênero não significa ser a favor de qualquer política de ação afirmativa para qualquer minoria. A questão é saber se este preconceito ou essa discriminação atuam de maneira que essas minorias não consigam atingir vagas. No Brasil, o negro não consegue ter acesso à universidade por que ele é negro ou por que ele é pobre? Por que ele não consegue a qualificação necessária para se preparar?

Na sua opinião, o critério socioeconômico seria mais objetivo e eficiente?

Roberta: A escravidão trouxe uma consequência perversa: o negro é atrelado ao pobre. Setenta por cento dos pobres são negros. Na medida em que se faz políticas de assistência para os pobres, os negros são atingidos, assim se ataca a verdadeira causa do problema , que é a pobreza e não a negritude, a cor da pele, sem o ônus de racializar o país.

Para nós nos integramos temos que nos assumir como brasileiros e não apenas brasileiro branco, brasileiro negro, brasileiro pardo. Mesmo porque não há um critério claro para definir quem é branco e quem é negro no Brasil.

Mas essa política fez com que os Estados Unidos tenham hoje um presidente negro. A política foi eficiente, não?

Roberta: De jeito nenhum. Martin Luther King sempre foi contrário à política de cotas. Ele queria a integração dos pobres. Barack Obama em nenhum momento levou em conta o discurso racial. Em nenhum momento ele abriu a boca para dizer ‘eu sou um negro competente’; ele disse ‘eu sou competente’. Barack Obama é um gênio pelo caráter e não pela cor da pele.


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Questão social não racial impede acesso à universidade, diz advogada