Há algo de mágico no “reino” da Tijuca. No bairro de classe média na zona norte do Rio de Janeiro, estrategicamente entre o Centro e a zona sul, pelo menos desde os tempos que surgiram nomes como Tim Maia e Erasmo Carlos, nos anos 60, até as pedras ouvem rock and roll.

Nesse lugar mítico, uma banca surgiu há dois meses. Nada demais, se essa banca não vendesse vinis, tocasse sonzeiras como The Clash, The Rolling Stones, The Doors, Black Sabbath, Ramones e The Who e sediasse uma espécie de “clube do livro”, em que associados pagam uma mensalidade de R$ 22 e podem pegar o livro que quiser, até dois por vez, e ficarem o tempo que for preciso para lê-los. A D´Vinil É uma uma espécie de centro cultural alternativo.

A banca, onde cabem 800 LPs, não tem nem telefone fixo. E eles ainda estão pensando se instalam ou não. De modo que a reportagem do Virgula Música foi até lá, na rua Campos Sales, 188, no escuro. Não encontrou o dono, o jornalista Fábio Antônio.

Talvez tenha sido sorte. Quem estava cuidando de tudo ali, do atendimento ao “ofício” de DJ, era a estudante de letras Andreia Correia Pena, 36 anos. Assim, pudemos comprovar por que a Tijuca é tão conhecida pelo groove de sua música quanto pelas tijucanas.

Você estava falando que gosta mais de música que literatura, que é o que você estuda…

Sim, gosto…

Então, você implorou para trabalhar aqui?

Não, não. Foi na faculdade de letras, português-inglês, que eu faço, uma amiga minha que conhecia aqui o dono e a gente conversando de música, ela, nossa, mas você conhece um pouquinho, conhece legal. Eu falei, pô, eu conheço um pouquinho e tal. “Ah, não, então, olha, o Fábio está precisando. Ela fez o contato. Eu vim parar aqui, assim, agora eu tô no céu. É o trabalho perfeito.

Não é perigoso gastar todo o salário aqui mesmo?

É um pouquinho. Essa é a questão, né?

E esse lance do clube do livro foi ideia sua ou já tinha?

Não, não, foi ideia dele (do Fábio). Mas olha que interessante, ele ia fazer em outro lugar, ele ia fazer uma banca só de locadora de livro. Eu implorei para ele, não, bota aqui, eu dou conta, está tranquilo. Agora a gente tem café, tem uma cerveja barata, a R$ 2,50 a lata, superbarata. Então, a pessoa vem aqui. Eu coloco para ouvir tudo que ela quiser. Não precisa levar, não. Eu coloco para ouvir de qualquer jeito. Lê um livro, aluga um livro para levar, ouve um disco, compra o disco ou não, dá uma olhada no livro, toma uma cerveja, come uma pizza, toma um café…

É um ponto cultural…

É um ponto cultural, de alegria, de música, de arte em geral, que é uma coisa maravilhosa. Tem gente que vem aqui só para conversar e ouvir boa música. Só para isso. Sério. Muita gente aliás.

Você acaba sendo meio psicóloga também?

Eu acho que a arte é uma psicóloga. E aí, quando você está envolta em arte, eu acho que a vida flui, as pessoas se sentem melhor. O ambiente fica leve, mais gostoso de estar.

Está rolando The Clash agora, London Calling, que toca mais no som aqui?

Bom, eu sou a DJ, não é? (risos). Então, rola muito The Clash, muito (Rolling) Stones, muito The Doors, muito Black Sabbath, Ramones, aí vai, bicho, The Who.

Se você tivesse que levar só um disco para uma ilha deserta, qual seria?

L.A. Woman, The Doors. É um disco temático, ele completa o ambiente.

Você foi comissária de bordo antes de trabalhar aqui, por que mudou de ramo?

Eu era comissária, fui 13 anos. Trabalhei na Varig antiga, depois trabalhei na Webjet. Depois dos 30 a gente quer ficar um pouco mais em casa, dormir em casa. Eu decidi fazer uma faculdade, aí, fui estudar o que eu gosto, que é literatura. E inglês porque eu morei fora quatro anos, então, eu falo inglês, já. Eu pensei, vou vou ser professora de inglês. Na verdade, eu já sou professora de inglês, mas no informal. Estou fazendo letras e trabalhando aqui.

E qual é o diferencial daqui, eles até são um pouco mais caros que se encontra por aí…

São justamente porque você encontra os discos bem conservados, tem uma diferença que você está vendo, que é gritante, são discos para colecionadores, para pessoas que realmente curtem. Se pega um disco, por exemplo, do Chico Buarque, que tem muito na rua. Pô, o disco tá todo ferrado, a capa está toda destruída, o disco está pulando. Daí é legal, de repente a capa, mas para você ouvir, nem tanto.

Como eu, gosto de fazer capa de disco de quadro. É legal, entendeu, mas aí você não ouve…

E o preço varia de quanto a quanto?

De R$ 40 a R$ 1.800. O mais caro é essa aqui do Woodstock (mostra), que é importado, raríssimo, e superbem conservado, toca maravilhosamente bem.

Tem gente que acha que aqui é uma banca normal e fica meio desapontado?

Os que não sabem ainda. A maioria vem, frequenta e faz amizade. Eu gosto de estar com pessoas.

Antigamente tinha uma história que vinha até impresso nos LPs, “disco é cultura”, você acha que isso está voltando, está se valorizando novamente essa cultura?

Com certeza está voltando, com tudo. Inclusive tem artistas que já estão lançando o CD, DVD e o vinil, tem alguns já fazendo isso.

Eu tenho certeza que está voltando. A gente aqui vende equipamento também. Então, tem muita gente que chega aqui: “Ah, eu dei os meus discos”. Eu falo, calma, compra uns melhores agora, porque seu gosto também mudou e compra o equipamento, que a gente também vende.

Para você qual é o diferencial do vinil em relação ao CD, do MP3?

Você ouve melhor os instrumentos, o som. Você consegue ouvir os instrumentos muito melhor porque o CD é compactado, não é? E ali você perde umas frequências.

Também o aspecto do objeto…

Então, fora a coisa mítica.

De segurar…

Quase uma coisa do plano maravilhoso. É uma coisa de você, exatamente, você segurar, de ter o encarte, o disco vem com as letras, na maior parte das letras. Isso se perdeu no CD, na maioria das vezes, você não tem mais letras das músicas. Como faz falta, não é? Você gosta de uma música e quer ler a letra.

Está vindo bastante jornalista aqui?

Cara, está vindo bastante. Jornais impresso, televisivos, Globo News fez. O jornal O Globo já fez duas matérias com a gente, para o Rio Show e Segundo Caderno.

E vocês têm planos de expandir, abrir outras bancas?

A gente tem um projeto para o futuro, de aumentar um pouco e de fazer shows também. Aí vai ser legal.

Show na rua?

Não, a gente sairia daqui.

Promover eventos?

Promover eventos com venda de vinil, com venda de equipamentos, com locadora de livros, uma coisa assim bem legal. Mas isso aí é para o futuro porque a ideia da banca é muito boa. E as pessoas adoram. Eu adoro trabalhar aqui.


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Banca de vinil na Tijuca, Rio de Janeiro, vira centro cultural alternativo