Kinks, Mutantes, Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire), o filme Holy Motors (de Leos Carax). Essas são algumas referências de Vamos pro Quarto, novo álbum da banda paulistana Cérebro Eletrônico, segundo o vocalista Tatá Aeroplano. Mas, como obra aberta, cada um ouvirá suas próprias referências. Mais que isso, com sorte, e alguma boa vontade, ouvirá a si mesmo.

De alguma maneira, Vamos para o Quarto, como revela a capa do álbum com Jardim das Delícias, de Hieronymus Bosch (1450-1516), está ligado ao êxtase religioso, à natureza bucólica e ao fantástico da Idade Média. É um espírito que viaja no tempo, com escala na psicodelia dos anos 60 e 70, na brasilidade libertária dos Secos & Molhados, no Clube da Esquina, na sofisticação dos Beatles, até desembocar em imagens cinematográficas, sonhos em celulose construídos à base de luz em 48 quadros por segundo.

Tatá, que elogia Gustavo Galo, Porcas Borboletas, Peri Pane & arrudA diz em entrevista ao Virgula Música que seus heróis musicais do futuro são Jair Naves, Marcelo Segreto, da Filarmônica de Passárgada, Diego de Moraes e (o neozelandês) Connan Mockassin (“é uma aula de loucura”).

Todas as músicas do disco nasceram de uma imersão de três dias em um sítio de Bragança Paulista. Vamos pro Quarto, trabalho que sucede a Deus e o Diabo no Liquidificador (2010), Pareço Moderno (2008) e Onda Híbrida Ressonante (2004) teve todas as músicas foram compostas por Tatá, Fernando Maranho (guitarra), Gustavo Souza (bateria), Fernando TRZ (teclados) e Renato Cortez (baixo).

Por que o Bosch da capa?

Foi uma ideia do Fernando Maranho. Como a gente ficou um fim de semana num sítio, digamos, num estado altamente medieval, que por sinal, medieval é um termo que se tornou popular entre a gente por causa do Dudu Tsuda, que sempre o usa.

Então, passamos o fim de semana no meio do mato, muitos pássaros, bichos, muita música e todos com seus estados alterados, teve gente até que chegou a ver uns duendes e tals. A ideia do Fernando foi perfeita, teve tudo a ver com o que passamos naquele fim de semana psicodélico.

Bastidores de Vamos pro Quarto

Como foi compor com todo mundo da banda ao mesmo tempo e a partir do zero?

Foi uma experiência sensacional. Eu já tinha vivido muitas experiências desse tipo, eu participei de muitas criações coletivas, principalmente com o Paulo Beto (Anvil Fx) com a banda Zeroum e algumas coisas com o Jumbo (Elektro). O Fernando Maranho já tinha sugerido da gente fazer isso depois que gravamos o Deus e o Diabo no Liquidificador e depois o Abu (André Abujamra) também disse a mesma coisa no show de dez anos do Cérebro.

O lance com o Cérebro foi uma imersão completa. Foi demais, porque partimos do zero. Eu particularmente me preparei muito, deixei a cabeça totalmente livre pra qualquer coisa que viesse. A galera começava a puxar algo no violão e eu já começava a cantar um melodia, que muitas vezes já vinha com letra.

Ainda pretendo escrever como essas canções saíram. Fiz todas as letras e melodias em cima das bases que a banda ia criando, exceto em Canibais Ancestrais que eu comecei a compor em cima de um tecladinho Casio e Libertem os Faunos que o Fernando Maranho compôs a letra e a melodia a partir de uma base criada no sítio.

Algumas letras eu fui provocado a fazer pelo TRZ, em Um Brinde Aos Pássaros, tinha amanhecido, já tinhamos feito Canibais Ancestrais, que também foi um toque do Trman, ele disse… “Canibais ancestrais” e entrou pra música, aliás, a primeira música que saiu nessa imersão que aproveitamos.

Amanheceu, os pássaros começaram a cantar, o Fernandão tinha acabado de acordar e o TRZ disse, podiamos fazer uma música pro Flavião (Flávio Lima) em homenagem a ele… E aí imediatamente eu comecei a desembuchar a letra de Um Brinde Aos Pássaros.

Foi uma das experiências musicais mais ricas e malucas. A gente foi simplesmente tocando e criando o tempo inteiro. Foi insano mesmo. Muito insano.

Veja Decência

 

O que você acha que amarra o disco?

Tudo foi tão rápido que ainda não sei dizer ao certo o que amarra o disco, escolhemos nove canções. Na real eram pra ser dez, mas quando fomos pro estúdio, terminamos de gravar o disco, a gente tinha certeza que tinha gravado dez músicas.

Na semana seguinte que o Fernando Maranho disse, cara, só tem nove músicas, a gente gravou nove! E eu putz, contamos errados … (risos). Foi um processo de criação e gravação muito rápido. Fomos pro estúdio sem ensaio e levantavamos e finalizamos as músicas e uma ou no máximo duas sessões.

Você ouve de tudo. Tem algumas referências nesse trabalho que só descobriu depois que ele estava pronto?

Escutando o disco agora lembro que meses antes de entrar no quarto com os cerebrais estava escutando o disco do Kinks, o Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire), esse disco é foda, tenho escutado esse disco até hoje.

Uma semana antes de ir pra imersão cerebral, rolou um fim de semana que um dia terei que escrever, fiz um show no sábado e no domingo teve aniversário do Helio Flanders, no restaurante Sotero, ali em Santa Cecília, isso à tarde, no meio da madruga fui parar na casa do Ricardo Spencer com Bruno Montalvão, Beto Bruno, Caio e mais uma galera e ficamos escutando Stones Roses, tocando The Cure, Blur.

Esse disco do Kinks é muito Mutantes, cada música um estilo, super fragmentado e lírico. Outra coisa que mexeu comigo foi o filme Holy Motors que é um baita filme, essas foram as coisas que me fizeram a cabeça pela época da imersão. Cada integrante foi chacoalhado por suas loucuras … tudo foi parar no álbum. O Fernando Maranho, fez umas guitarras que eu acho sensacionais, sou fã de todas as guitas do disco, ele colocou só referências fodas lá, TRZ também, Renatão também e o Gustavo Souza só faltou comer a bateria. Foi massa demais.

A safra do Baixo Augusta está dispersa, uns se tornaram grandes estrelas, outros estão na batalha e alguns até mesmo desencanaram de ser músicos. O que faz valer a pena?

Em São Paulo hoje temos uma cena expandida, a quantidade de shows incríveis pela cidade é bem maior que alguns anos atrás em várias casas novas, menores, mas a galera está tocando, mandando brasa. Os shows do Gustavo Galo, Porcas Borboletas, Canções Velhas Para Embrulhar Peixes (Peri Pane & arrudA).

O lance na real está rolando sem necessariamente a galera está dentro do hype ou grande mídia. A música é a extensão da minha alma, é meu estado de espírito, por isso sigo fazendo discos e criando que é o que realmente me dá prazer.

Quem são seus heróis musicais do futuro?

Pirei com o disco do Jair Naves, sou fã do Marcelo Segreto, da banda Filarmônica de Passárgada, Diego de Moraes, que são artistas que sou muito fã. O Connan Mockassin é uma aula de loucura.

SERVIÇO

Cérebro Eletrônico, lançamento de Vamos pro Quarto
Onde: Teatro do Sesc Vila Mariana, rua Pelotas, 141
Quando: Quinta (10/10), às 21h
Quanto: comerciário, R$ 4,80; Meia, R$ 12; inteira, R$ 24, compre (aqui)
Site oficial: http://www.cerebrais.com.br


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Cérebro Eletrônico casa psicodelia e brasilidade em 'Vamos pro Quarto'; ouça