Guilherme Arantes


Créditos: Taiz Dering

Guilherme Arantes quer falar. E, como nós queremos ouvi-lo, está tudo certo. Do estúdio e sede do seu selo musical, o Coaxo do Sapo, em Barra do Jacuípe (Bahia), ele atende à reportagem do Virgula Música para uma conversa por telefone de 36 minutos sobre sua carreira e o novo álbum independente, Condição Humana (Sobre o Tempo).

O autor de Um Dia, Um AdeusAmanhã e Pedacinhos, suas músicas preferidas entre dezenas de hits, chega a chorar quando fala dos mistérios de sua “alma negra”. Ele conta sobre a sua aproximação com os Racionais MCs e Mano Brown, também torcedor do Santos como ele. Prega também a necessidade de “fúria” e “testosterona” para uma música brasileira em processo de “baianização”. 

“Eu sou popular, eu sou um cara que concorre com cantores de grande popularidade. Eu estou, vamos dizer, na mesma raia do Roberto Carlos. Então, é uma honra. Estar nessa raia é para cavalo grande e eu sempre fui muito bem recebido sempre”, constata o músico, que na quarta-feira apresenta-se na Quarta Unplugged do Teatro Fernando Torrres.

Na conversa, ele fala também sobre sua visão de música popular, rejeitando que as coisas tenham piorado nos últimos tempos, analisa a própria carreira e dá dicas para um iniciante que sonha em um dia ter um caminhão de hits na bagagem. 

Se você tivesse nascido nos Estados Unidos, na Inglaterra, seria milionário, pela quantidade de hits que emplacou. Você tem algum ressentimento por não ser tão reconhecido quanto deveria?

O problema da língua portuguesa é que ela abrange um mundo pequeno, esse é o primeiro fator, geopolítico da gente, da nossa etnia. Tudo que a gente faz tem uma repercussão infinitamente menor que o mundo hispânico, francês, sem falar do inglês.

Isso faz com que a gente tenha uma reverberação, todos nós, Caetano (Veloso)… Poucos romperam isso aí, um Chico Buarque na França, na Itália, a Marisa Monte, que tem uma carreira internacional. Mesmo assim, todos nós poderíamos ser muito maiores em todas as profissões. O conteúdo de tudo que o Brasil gera tem uma repercussão relativa.

É a primeira coisa, não adianta a gente reclamar do direito autoral, da estrutura do mercado profissional. O problema é que tudo morre na praia. As bandas brasileiras, por exemplo, são melhores que as de fora, pessoal toca bem para caramba, com muita pegada. É muito boa a arte que se faz no Brasil.

Mas isso afeta a todos, nós temos uma limitação grande, essa é a primeira coisa. Porque se a gente comparar com o primeiro mundo, de um artista que lança em língua inglesa, ele lança para o mundo inteiro ouvir.

Mas em relação a não fazer tanto sucesso quanto você mesmo fazia?

Isso é questão de época. Sucesso é uma palavra também que está desgastada porque cada época tem as suas prioridades. Acho que lá fora também acontece assim. No fim da guerra houve uma convergência em cima da classe média, que precisava se reconstruir. Aí vieram Elvis, os Beatles, Glenn Miller, as grandes orquestras, Frank Sinatra, vem tudo.

Então, cada época tem uma prioridade, teve uma fase da música negra americana, nos anos 70, que preparou para mais tarde todo o R&B, que era a ascensão da classe média negra nos Estados Unidos, era um movimento social.

Eu acho que isso hoje no Brasil há um movimento social de inserção no mercado de muitas camadas excluídas, você tem comportamentos de diversas regiões, da música do Norte, esses fenômenos todos, isso aí é uma explosão, de uma nova classe social entrando como player na sociedade, isso faz muita diferença. 

Ouça Guilherme Arantes em Um Dia, um Adeus 



 

Mas você acha que está nivelando por baixo, que os consumidores estão chegando e não estão indo buscar uma alta cultura, uma música de qualidade?

Ah, não sei, essa discussão de música de qualidade parece papo de Ivan Lins, Ivan Lins que adora essa classificação que hoje não se faz… “coisa de qualidade”. Isso é muito questionável, qualidade para quem, que ouvidos?

Tudo depende do contexto do movimento. Houve uma época que qualidade queria dizer muitas metáforas nas letras, “caía a tarde feito um viaduto”, sabe, “somos todos iguais esta noite”. As letras metafóricas, por exemplo, se estabeleceram como coisa de qualidade. Numa fase de contestação à ditadura. Hoje o que é qualidade? É atender a uma galera que quer fazer festa, existe um país em festa, o Brasil é um país festeiro, como uma Índia. Então, a Índia sofre dos mesmos problemas que o Brasil, existe esta cultura “povão”. Mas eu sou contra essa visão qualitativa, de estratos.

Você não é saudosista a ponto de achar que a música popular se perdeu, era boa e ficou ruim?

Não. Isso é besteira. Em uma época que no mundo todo você tem independentes, indies, fazendo coisas incríveis. Existe o maneirismo de cada época. Na minha época também, 62, tinha muito lixo no pop mundial, muito The Archies, muito Sugar (cantarola Sugar, Honey, Honey). Era bom, era legal, o que se fazia, mesmo popular era mortal em termos de inspiração. Acho que o que falta é um pouco de inspiração talvez, nós estamos em um mundo muito ligeiro, as pessoas não tem muito tempo para maturar as coisas, para deixar um pouco mais maturadas. Vai mandando qualquer uma, tem um puta veículo instantâneo na mão, então é uma marca da nossa época.

Mas é um revés do modernismo também. O modernismo vendeu esta ideia da velocidade, da arte mais imediata, flash assim. Isso é ideia do Oswald de Andrade, da Semana de 22, essa gente que queria esse mundo menos acadêmico. E gerou esse culto ao imediatismo. Que eu acho que é uma coisa que está em crise porque o mundo precisava de um pouco mais de erudição.  As pessoas lerem mais, maturarem mais.

As pessoas, por exemplo, não escrevem diário, elas escrevem faces, que não é igual o diário. No diário geralmente tem uma página e você enche uma página. No Facebook você não enche uma página, são módulos de mensagem muito mais…

Fragmentado…

Fragmentando, exatamente, este é o termo da nossa época.

Seu disco fala bastante disso. Tem até uma história que diz que o pop fala sempre que está tudo bem e o rock que está tudo errado. O seu disco tem as suas coisas… Em vários momentos fala que está tudo errado.

Tem muita coisa que a gente vê, que eu acho que é uma crise mundial. Por exemplo, do poder público, que é podrão desde o tempo da Babilônia, desde antes dos egípcios. O poder humano ele é corrupto, a estrutura política, porque que se faz as guerras. Isso aí, eu acho que nós estamos vivendo uma crise que está ficando claro porque tem muita informação.

É estarrecedor a robalheira no mundo inteiro, do poder público. Não todo mundo, lógico. É uma estrutura muito velha, arcaica.

Esta indignação te move a querer compor?

Eu acho legal, é uma curtição. Por exemplo, fazer um rock mal-criado. Não sei, deu vontade. Deu inveja do R.E.M., por exemplo, Loosing My Religion, sabe? Você escutar o Foo Fighters, umas coisas furiosas da música mundial.

Eu acho que o nosso pop tem estado muito bem comportado, tudo muito bonitinho, bem embrulhadinho, todo mundo muito camisinha xadrez, todo mundo bem low-profile, bem ligth. Jack Johnson, por exemplo, eu não suporto, acho pedante, chatésimo e fraco, ralo. É uma figura que eu olho e falo, sei lá.  E é cultuado, né? A molecada gosta. Não é que é ruim, não chega a ser. É minimal demais.

Então eu acho que tem faltado um pouco de fúria, que a nossa geração pode jogar um pouco dos anos 60, da irresponsabilidade. O politicamente correto engessa as pessoas também. Não digo da homofobia, da intolerância religiosa. Isso não é liberdade de expressão, você ter homofobia, cantar a violência, de ultradireita de neonazista. Isso é uma coisa besta. Não é isso, não é este tipo de fúria que está faltando.

Está faltando a fúria soft. Que é por exemplo de um Neil Young, de um (Bob) Dylan. A coisa mais cuspindo fogo. Está faltando talvez um pouco no Brasil aquela liberdade, aquela irresponsabilidade que havia no Camisa de Vênus, no Ultraje a Rigor, no Ira!, Ratos de Porão, Plebe Rude, que é muito bom. Plebe Rude é demais, eu acho uma das grandes bandas brasileiras. Philippe Seabra é muito foda, escreve bem.

As bandas do Sul ficaram um pouco fora de cena. O Sul sempre teve um lado transgressor, de rock. O Brasil ficou muito leve, tudo uma festa gostosa, muita cerveja, muita paquera, te vejo no Face, e está faltando, sei lá, um pouco de testosterona na molecada. Eu estou com 60 anos, eu falar em testosterona é uma piada né? Porque já começa a faltar. Talvez a busca seja uma metáfora do lado clínico da velhice, que você fica dando valor para a testosterona. E essa molecada um dia vai ser da minha idade.

Nós pelo menos nos anos 70, 80 a gente vivenciou uma testosterona forte. Acho que está faltando isso um pouco na música. Mas não é crítica não. Tem este predomínio da maioria aqui no Brasil, grandes negócios giram em torno da balada, a balada é um grande business. Seja no sertanejo, no pagode, no churrasco da laje ou na guitarrada lá de Belém, o que há por trás é um consumo violento de cerveja, de comida na rua, as festas de rua. Isso aí é uma indústria, sempre foi. É o que era o axé nos 90, agora ele se generalizou, o Brasil todo é uma grande Bahia. É uma “baianização” do Brasil.

Isso tem um lado positivo. Não houve um tempo mais chato que quando as pessoas  se reuniam para chorar. Você via um estádio lotado, todo mundo chorando devido a uma melancolia coletiva generelizado. Que é coisa da época. Hoje não é mais na alegria. Aí é que está, a testosterona toda é gasta de uma forma lúdica.

Amanhã, de Guilherme Arantes



Naquele seu texto grande que você divulgou, que está no seu site também, quando você fala da entrada das baterias eletrônicas, você faz uma espécie de mea culpa, como se tivesse ido para um lado errado. E esse seu disco atual é uma banda de rock, tem o (Luís) Carlini na guitarra. Você se arrepende desta fase?

Não. Toda época foi legal por um aspecto. Houve uma grande euforia com a chegada do Midi, quando o Midi chegou era a libertação das bandas daquela coisa que até os anos 80 não havia outro jeito de fazer o show, que não fosse juntar os músicos e ensaiar, ir para estrada e gravar com eles. Era tudo analógico.

A entrada do computador foi um novo maná, uma corrida do ouro. Então tuda a música pop mundial se aprisionou em workstations, sequenciadores, a partir do Midi. Você ver um teclado tocando sozinho com um computador, você gravar e mexer, corrigir, isso aí era o sonho dourado de séculos da música. Então, quando chegou isso a gente mergulhou fundo.

Só que eu fui descobrir que as pessoas não gostavam disso em mim, que os que as pessoas gostam em mim, é da mão mesmo. O que eu chamo de uma mão de pedreiro no piano, que eu tenho muita força manual. Talvez de trabalhos manuais, que eu trabalho com marcenaria, construo coisas, viro massa, assento bloco. Eu tenho esse lado operário da mão ser grossa, uma mão de trabalho.

E quando eu meto a mão no piano não é um piano afrescalhado, um piano delicado. Pode ser, eu tento suavizar e ter técnica também. Eu fui tocar o harpsichord, do cravo, é um instrumento muito delicado, você tem que ter mão de moça, tem que ter mãozinha de pajem feudal, então aí eu tenho que segurar a violência do meu toque de piano, que sempre foi muito presente. E eu acho que é isso que as pessoas gostam em mim.

Flui mais pela mão. Então, todos os momentos da minha carreira estava lá o piano como um instrumento que até caiu em desuso no Brasil. Agora está voltando por contas da novas gerações, que vão diferenciando, trazendo o vibrafone, instrumentos diferentes assim, o próprio bandolim que voltou para música. São modas. Eu acho que eu precisava me resituar, as músicas que o público mais gostou eram as que tinham  um piano mais característico. Isso é uma sacada recente, eu achava que não, que era a canção e a fórmula. Eu precisava pegar pesado no meu piano, voltar para minha base, para o meu basicão. O basicão é que funciona, você vê o Eric Clapton, o próprio Neil Young,  que é um cara bem rough (durão). Eu gosto de gente assim. Nesta idade você começa a dar mais valor a pessoas que são um pouco mais mal-criadas com a realidade.

Quais são suas músicas preferidas, as suas mesmo?

Um Dia, Um Adeus é uma música claramente bem feita, eu gosto muito do Amanhã, Pedacinhos é uma música muito boa também, tem músicas desconhecidas também.

Pedacinhos, Guilherme Arantes 



Tem alguma que você acha que era boa e foi meio injustiçada, a galera meio que nunca descobriu?

Tem um funk chamado Fio da Navalha. Esta música foi tema de novela, do Partido Alto. Mas é uma jogada totalmente bizarra, que é uma arranjo black, de orquestra Black Rio, aquela metaleira daquela turma do Rio e é muito legal, o baixo é muito bom, do Jamil Joanes. É um arranjo muito feliz. Foi uma das melhores coisas que eu já fiz, é demais essa música. E não deu muito resultado porque a letra é também um pouco  ambiciosa, sabe?

Às vezes, a gente sonha, vê o público cantando uma coisa mais grandiosa, mas não é sempre que você tem um festival, por exemplo, como eu tive. Que é motivador. E coloca você cara a cara com um público de 30 milhões, 40 milhões de uma vez. E aí você tem a oportunidade de fazer um Planeta Água. Não é sempre assim. Normalmente o público quer uma coisa mais simples. O sucesso é muito fugidio.

Também  não dava para estourar mais músicas. Eu não posso achar que foi insuficiente o reconhecimento para mim, não posso reclamar, numa boa. O Brasil é uma país generosíssimo, um povo que sempre gostou das minhas músicas. Eu consegui com dignidade levar aí 40 anos com um público fiel. Mesmo o povão mesmo, pobre, essas pessoas humildes. Eu sou popular, eu sou um cara que concorro com cantores de grande popularidade. Eu estou, vamos dizer, na mesma raia do Roberto Carlos. Então, é uma honra. Estar nessa raia é para cavalo grande e eu sempre fui muito bem recebido sempre.

Os cantores todos me prestigiaram. Eu tive Caetano, Gil, eu gravei com Gil, as pessoas não sabem mas tem uma música que eu dividi o solo com ele em uma versão do Stevie Wonder, The Secret Life of Plants. Nós fizemos uma versão que se chama Espírito Secreto de uma Vida. Agora, não dá para gente estourar tudo, nem o Phil Collins. O Elton John tem que tocar aquela Crocodile Rock até hoje. Bennie and the Jets, por exemplo, é uma música que eu me envergonharia (cantarola). Puta música careta, chata.

Você tem vergonha de alguma música sua?

Tenho. Tem música que foi longe de mais na gritaria, na busca do sucesso, aquelas músicas que eu acreditei que eram populares na época. Marchinhas meio de Carnaval, umas coisas bizarras que eu andei fazendo nos anos 70 ainda. Mas eu tava em busca de uma música brasileira, entendeu? Uma época que eu ouvia muito Lamartine Babo, então fiz umas marchinhas, gravei até com a Emilinha Borba, uma que chamava Loucos e Caretas. Essa é uma que é até legal, com a Emilinha Borba, rainha do rádio.

Quer dizer, fui um cara que me aventurei em umas praias muito loucas. Agora eu estou amigo do Mano Brown, da turma dos Racionais. É uma aproximação maravilhosa porque são geniais, é um puta trabalho lindíssimo, que eu sempre curti de coração.

Como rolou essa aproximação?

Em aeroporto. A gente se encontra e aí bateu porque o Mano Brown é santista e eu também sou. Então, aí começamos a bater bola e surgiu maior amizade. Acho que eu tenho uma alma negra no fundo, eu falo com maior emoção isso aí (chora), que no ginásio assim, os meus melhores amigos eram os japoneses, os negros, os meninos pretos que cantavam bem pra caralho. E pintou sempre uma aproximação muito forte com o público black, meu.

Com Tim Maia, Carlos Dafé, Luis Wagner, o guitarreiro, são muito amigos meus, Wando, Agepê. Que eu tive muita amizade, afinidade, ao longo da carreira. Não sei, há algo estranho de uma alma black dentro de mim.

E pode ser que pinte uma coisa sua com os Racionais ou no trampo solo do Mano Brown?

Tomara, né. Eu fiz um piano para uma gravação que eles estão lançando, que se chama Uni Duni Chocolate, uma dupla aí de black music infanto-juvenil, mas muito bom, um suingue muito compacto, muito bonito. E vai estourar isso aí. Uma dupla de infanto-juvenil  black e tem uma espanhola que é a cantora, canta muito, a Alba. Foi uma produção do Hyldon, nosso grande compositor. Aí encontro tudo mundo gravando, estava o Mamão do grupo Azymuth, fez a batera. Então, foi um reencontro.

Eu tenho essa ligação muito forte com a black music, de ter feito algumas coisas meio blacks na minha vida, sem querer. Influência de Ray Charles, Stevie Wonder, eu fiz um tributo no outro disco, que era o Lótus, que tinha um rapizinho, que era uma brincadeira, mas era um poema em rap, que era um tributo interracial, a Otis Redding, Stevie Wonder, Marvin Gaye, os meus ídolos black. Do Brasil também, o Benjor, Gil, Milton, Tim Maia, esta turma aí fez a cabeça muitos anos, da minha formação. Tony Tornado também, que cantava BR3 foi uma das coisas mais lindas que eu vi na vida. Acho que a minha alma black está por trás de muita coisa.

Ouça Fio da Navalha, canção “injustiçada”, segundo o próprio Guilherme Arantes 



 

Na sua opinião o que uma boa música popular deve ter?

Deve ter estrutura. A música não pode ser qualquer nota, tem que ter uma estrutura definida, ter um pouco de elaboração. Qualquer gênero, qualquer estilo, é válido que você tenha uma elaboração boa.

Eu acho que o mais importante para mim é a harmonia, onde fica mais evidente a diferença, para o meu gosto, a harmonia é o que faz mais a diferença, mas isso é uma questão individual.

E que dica você daria para um iniciante, um cara que é seu fã e, sei lá, um dia quer ser um Guilherme Arantes?

Primeiro, se afastar um pouco do coletivo. O coletivo é legal, mas as pessoas precisam se individuar um pouco mais, estar consigo mesmo, ler, ter silêncios. As pessoas estão precisando de silêncio interior para você amadurecer uma coisa bem sua, um conteúdo seu. E muita paciência, né? Com o gosto da maioria porque o gosto da maioria é sempre questionável. Houve épocas em que a maioria achava Hitler maravilhoso, houve um tempo em que achavam, lá no Iraque, o Saddan Hussein maravilhoso.

Tem gosto para tudo, então a gente tem que ser a gente mesmo. Fazer por prazer, fazer por amor, eu acho importante também. Que quando você está fazendo uma coisa por amor, o lucro é total.

Na verdade, a gente luta para ter dinheiro, dinheiro para ter tempo, tempo para viver com mais amor, ter mais amor na sua vida. Se você puder ter amor direto, em tudo que você já faz. Fazer com gosto, cozinhar com amor, pode ser a coisa mais…. um cafezinho com amor faz a diferença já.

As pessoas precisavam ter mais amor à música e menos apego à mídia, à fama, às glórias da balada, da festa. A gente vê que dentro da balada você dificilmente vai gerar um Renato Russo, por exemplo. O Renato Russo se gerou dentro de casa porque ele tinha uma doença degenerativa, ficou anos lendo tudo, Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, os grande poetas, um cara cultíssimo. Quando ele começou a escrever ele estava léguas à frente. Era capaz de imaginar e aí supreende as pessoas pela individuação. Acho que é isso que está falando. As pessoas da música devem esquecer um pouco que é uma indústria, que rola dinheiro, e dá uma gratificação instantânea.

Acho que as pessoas precisam maturar bem, às vezes é bom demorar para acontecer porque a pessoa amadurece o trabalho. Sabe o que quer, está fazendo com amor. E aí vale para qualquer gênero, sabe?

Os Racionais são fortes porque os caras desenvolveram uma linguagem que é oriunda de um ócio, o ócio do presídio, o cara está no presídio [nr: os integrantes dos Racionais nunca foram presos] e em vez de ficar com a cabeça no diabo, na perversidade, o cara desenvolve uma linguagem a partir dali, uma linguagem poética e aquilo é a chave do paraíso para o cara. É uma prova de superação incrível e de individuação também. Porque o cara, para escrever tudo aquilo, ele não escreve no meio da galera. Ele fica sozinho e bolando com a cabeça dele. Depois ele mostra. É por isso que eu acho que as pessoas precisam ter mais tempo e silêncio para fazer coisas mais consistentes com a vida.

Mesmo o cara na periferia, que tem poucas opções e cria sua própria cultura?

Agora, então, mesmo neste ambiente é muito importante o caderninho. O ser humano e seu caminho solitário escrevendo como ele vê o mundo. O que ele vê no mundo. A chave do sucesso é o caderninho, as pessoas andarem com o caderninho. Não é no Face, quer dizer, o Face é uma forma de ir colocando, mas aquilo na barra de rolagem vai ficando lá para trás. Eu não sei se as pessoas resgatam depois. O caderninho não, você migra para um outro caderno, vai copiando as coisas. E, depois, ele anda com você. Acho importante a portabilidade, você está com o caderninho andando num lugar estranho.

O ser humano é bom assim nas caminhadas, no olhar, do indivíduo olhando o coletivo e saindo um pouco da pressão social. É muita gente no mundo, o mundo está muito populoso. Onde a gente vai tem muito ruído. Agora, eu recomendo assim muita perseverança para molecada. E personalidade. Fazer do seu jeito. Porque é assim que todos mostraram que funcionava. Todos os mestres. Fazer do seu jeito porque o seu jeito é único. O mundo quer ver o seu jeito, ele não quer o que é feito pausteurizado. Ele quer o seu imput pessoal, sabe?

Serviço

Guilherme Arantes, na Quarta Unplugged do Teatro Fernando Torrres. Rua Padre Estevão Pernet, 588, Tatuapé, às 22h.


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Guilherme Arantes se compara a Roberto Carlos e quer fazer músicas com Mano Brown