Xênia França

Divulgação Xênia França

A letra de Que Bloco é Esse? – Ilê Aiyê, música de Paulinho Camafeu gravada por Gilberto Gil, Daniela Merury e O Rappa, diz: “Branco, se você soubesse/O valor que o preto tem,/ Tu tomava um banho de piche, branco/ E ficava preto também”. O tema, recorrente também no discurso dos Racionais MC’s, ecoa na simples exercício de imaginar a música sem os negros no Brasil.

Nesta sexta (20), celebra-se o Dia da Consciência Negra, data em que se lembra a morte de  Zumbi dos Palmares (1655-1695), último dos líderes do Quilombo dos Palmares.

O Virgula reuniu uma banca pesada para discutir o tema: Xênia França do Aláfia, grupo que traz a questão da negritude de maneira primordial e que alia os grooves, os batuques e a consciência em um todo indivisível; Anelis Assumpção, compositora que é um dos nomes mais quentes da nova música brasileira, além de filha de Itamar Assumpção; o ícone do futuro Rico Dalasam e ainda Negra Li e Flávio Renegado dois artistas importantes do rap nacional.

Ouça Aláfia:

Por que é importante falar em racismo no Brasil hoje?

Xênia França – É preciso falar sobre racismo sempre. Inclusive não só no mês de Novembro, precisamos refletir e agir durante os 365 dias do ano. Levando em consideração que em 2015 ainda não atingimos um nível de igualdade social desejável. Ainda são poucos os negros em diferente esferas da sociedade ocupando cargos de igualdade nas empresas, nas escolas, nos bancos, na televisão e etc. São pouquíssmos os negros médicos, advogados, políticos, publicitários e etc. Isso é reflexo da herança que a escravidão deixou no Brasil. O racismo é institucional e está na estrutura do nosso país, impedindo que a população preta se desenvolva e atinja novos patamares. Precisamos de mais exemplos de imagens e histórias positivas em relação ao preto pra influenciar as novas gerações.

Anelis Assumpção

Daniel Piozevani/Divulgação Anelis Assumpção

Anelis Asumpção – Porque é preciso educar. Mas importante falar de racismo de forma clara, esperta. é preciso que os mais novos entendam o que é, de onde vem, quais os frutos e consequências, o quanto é desconectado de razão. E o mais importante – que saibam respeitar as pessoas não por medo de cometer um crime, mas porque não faz sentido algum ter um comportamento racista, sexista, homofóbico e intolerante. Racismo não é uma escolha. é uma falha.

Antes, ‘achavam’ que os negros eram inferiores diante dos olhos de deus. Que judeus eram inferiores. Inventaram essa estupidez. Quem tem poder, escraviza. E o que tiram dos escravizados? Direitos. Estudo. Prazeres. Escolhas. Vida.
Uma sociedade ignorante, vive dominada. escravizada. abatida. aceita e perpetua a escravidão com seus medos. Esse racismo não cola mais aqui no brasil. Mas a audácia de ser racista ainda está ai. Seguimos sendo escravizados, mas deixaram a gente achar que estava livre.

Uma sociedade ativa, pensadora, igualitária, não comporta essas atitudes. É fundamental ter conhecimento para poder elaborar e eliminar todas essas mazelas sociais. Meu pai é negro. Minha mãe é loira. Aprendi desde nascida sobre racismo e sobre humanidades. O racismo é uma doença que será extinta através de vacinas de consciência.

Anelis Assumpção

Flávio Renegado – O assunto nunca é discutido com profundidade. A sociedade brasileira se esconde por trás do argumento de que no nosso país não existe racismo e que os direitos são iguais para todos. Mas quem é pobre e negro sabe que esse papo é uma grande balela. A questão é emergencial, estamos falando de vidas. Está acontecendo um genocídio e a principal vítima é a juventude negra, mas estamos apáticos e sem reação. Já passou da hora de evoluir o debate e discutir de verdade o racismo no Brasil.

Rico Dalasam

Henrique Grandi/Divulgação Rico Dalasam

Rico Dalasam – Sempre foi importante e sempre vai ser, vivemos um instante onde mais pessoas se viram em um lugar de fala e isso fortalece e circula a pauta, e depois que cada um de nós alcança certa visibilidade não dá pra esconder que muitos mais de cada um de nós existem pelos cantos do Brasil.

Que músicos negros mais te deram orgulho na vida e por quê?

Xênia – Nossa! Eu amo tanto a trajetória de vida e de arte de Elza Soares, Margareth Menezes, Nina Simone, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Wilson Simonal, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan. É tanta gente forte, que saíram de lugares comuns, que foram salvas pela música, e que representam um poder e muito orgulho pra mim. Mesmo com suas adversidade pessoais, a imagem e o trabalho desses mestres me inspiram muito e eles como tantos outros me influenciaram a fazer o meu caminho e fazem escola pra muita gente. Representatividade importa!

Flávio Renegado

Divulgação Flávio Renegado

Renegado – Em diferentes épocas cada um à sua maneira. Mano Brown – pela postura e atitude; Bezerra da Silva – pela malandragem que habita nos morros; Pixinguinha – pela musicalidade; Cartola – pela dignidade na vida e na caneta; Chico Science – pela visão a frente de seu tempo; Paulinho da Viola – pela elegância; Gilberto Gil – por ser Gilberto Gil; Wilson Simonal e Seu Jorge – pela marra, é bom ter marra também.

Anelis – Me orgulham pessoas fantásticas. Se quer que eu cite ícones negros da música, digo Nina Simone, Itamar Assumpção e Bob Marley. Alguns dos negros que se inventaram e inventaram um novo jeito de ser humano.

 

Dalasam – Rick James , Andre 3000 , e esses dias tenho lido sobre a trajetória do Nile Rodgers , e cada uma dessas personalidades negras, tiveram que de forma criativa e inteligente contruir cada drible sobre as invertidas que recebemos todos os dias , em cada segmento da vida.

Negra Li

Jr Duran/Divulgação Negra Li

Negra Li – Bob Marley por seu discurso de amor e justiça. Milton Nascimento, Jorge Ben, Gilberto Gil, Djavan, Elza Soares, Louis Armstrong, Miles Davis, Ella Fitzgerald,Aretha Franklyn, Nina Simone…e uma infinidade de artistas de todo mundo pela genialidade e musicalidade capaz de quebrar as barreiras do preconceito deixando sua marca na história.

Se preocupa em abordar o racismo e o orgulho negro na sua música?

Anelis – Penso que minha música é livre. Posso falar sobre racismo, orgulho negro ou minorias, mas talvez isso apareça no meu trabalho em formatos menos literais, mais poéticos. vivo uma necessidade de comunicar estruturada por estímulos. Prefiro poder navegar na pluralidade dos assuntos. Quando tudo está a flor da pele, é natural que essa poesia emerja. Não forço. Gosto de ouvir musicas eternas que falam sobre a negritude, política, guerra, e carregam poemas além de bandeiras. Aí que mora a riqueza de se fazer arte.

Dalasam

Dalasam – Eu me preocupo em estar centrado e forte na construção do meu caminho, sei que todos meus iguais sofrem as mesmas coisas que eu, e trabalhando com música e imagem o que tenho pra deixar é o retrato da possibilidade apesar de sabermos que o martelo tem mais peso pra nós.

Xênia – Olha, não é uma preocupação. É algo que está latente na nossa sociedade. E é praticamente impossível não refletir o nosso momento. Não dá pra ficar fingindo que nunca aconteceu nada que está tudo bem. Enquanto a juventude negra é morta massivamente, enquanto a mulher negra é menosprezada, desvalorizada e morta. Enquanto a educação fundamental pública é sucateada e interfere no desenvolvimento sócio econômico do jovem pobre. São tantos obstáculos, que temos que arrancar forças de dentro de nós. Nos empoderar mesmo da nossa cultura. Fazer da nossa história um motivo de orgulho sim. Os nossos ancestrais chegaram nesse país sequestrados e tratados como animais. E hoje 127 anos depois da abolição da escravatura ainda estamos aqui lutando por igualdade e direitos. Então é importante pra mim tanto como artista quanto como pessoa estar atenta e me posicionar.

Negra Li

Jr Duran/Divulgação Negra Li

Negra Li – Estamos em um mundo extremamente desigual onde a música é uma linguagem universal capaz de levar mensagens de amor, paz, revolução. Minha música reflete quem eu sou e as coisas em que eu acredito. Por isso tenho uma preocupação de passar uma mensagem positiva independente de cor, crença ou classe social. Mas sou livre pra falar sobre outras coisas da vida pois na arte não devemos ter barreiras ou regras.

Renegado – Sempre. O dinheiro pode me tornar incolor às vezes. Versace pode até camuflar a minha cor às vezes. Mas na minha mente e no meu coração a cor não desbota.

Sentiu falta, na sua educação escolar, de aprender mais sobre a história da África e dos negros?

Anelis – Sim. Sinto até hoje. Nossa memória foi apagada. Tenho um sobrenome português. Jamais conseguirei chegar muito longe na minha árvore genealógica negra. Isso é complicado. Ficamos amputados. Nós e o mundo inteiro, que não sabe o que aconteceu na África antiga e nem o que acontece na África de hoje.

Flávio Renegado

Divulgação Flávio Renegado

Renegado – Eu não aprendi a ter orgulho de ser negro na escola, muito pelo contrário, o ensino público brasileiro é feito para você ter vergonha de ser negro. Ainda hoje abrimos os livros de história e o meu povo está no papel de subjugado. Zumbi dos Palmares não é lembrado como herói e a lei 10639 não saiu do papel. Enquanto a história do povo negro brasileiro não ocupar os livros com dignidade, vai ser difícil construirmos um nação e um futuro melhor.

Dalasam – Não senti falta porque é criado um sistema antes do de sentir falta que nos faz crer que não temos historia pré-escravidão , que nos anula do conhecimento da riqueza da nossa historia. quando um povo não sabe de onde vem automaticamente o opressor consegue amputar o orgulho e a identidade e planta a divisão.

Xênia – Sim! Lembro que uma vez no ginásio me perguntei por que tínhamos que ter aula de religião católica? E por que os livros de história nos contavam que chegamos aqui num navio negreiro e fomos escravos. Enquanto a história de saque, destruição e colonização que o povo europeu proporcionou a muitos países era contada com bravura e glória. Acredito que um povo que desconhece a sua história vira facilmente massa de manobra nas mãos dos poderes mau intencionados. É preciso sim dar educação a todas as pessoas igualmente. Contar a verdade. Uma cultura e um povo não pode prevalecer diante de outro. Como podemos evoluir como sociedade dessa forma? Como podemos esperar respeito entre as pessoas, sendo que em sua primeira formação algumas aprendem que são melhores que as outras?

Qual é a melhor maneira de combater o racismo, na sua opinião?

Xênia – Eu vejo um caminho na educação. Ninguém nasce racista. Se aprende em casa, na escola, na rua, nos livros e etc. Enfim, sou otimista em relação a uma reforma que nos ensine a conviver com diferenças. É possível mudar essa mentalidade da cabeça de quem está vindo aí. Eu desejo muito que se cumpra em todas as escolas, para todos os jovens, pobres e ricos, brancos e negros, a lei 10.639 e que tanto a história real do povo preto quanto a do povo indígena traga a luz da consciência de que todas as pessoas são iguais.

Anelis – Como eu já disse antes. Respeito. Educação. Igualdade social. Acesso. Informação. Estímulo cultural, filosófico.
Tenho pânico quando falam de ‘tolerância’. Não quero ser tolerada. Quero ser respeitada pelas minhas diferenças culturais, étnicas e ancestrais. por ser mulher, brasileira, mãe, mulata, artista. penso que essas são as chaves pra combater qualquer tipo de preconceito.

Renegado – Com informação e educação. O racismo e o preconceito são males que nascem da ignorância. É inaceitável sermos tolerantes a esse tipo de comportamento.

Renegado

 Rico – Existem camadas de privilégio entre negro e branco , entre negros e​​ negro. E essas enganosas definições nos subdividem e confundem o oprimido na hora de definir o opressor real. Eu decidi usar a invisibilidade que me restou pra construir um caminho de realização que quando atinge determinado tamanho fica “chato” pra eles não dar conta do nosso poder e existência. Correndo ou rastejando precisamos realizar o que está em nossa mente, com aquela criatividade de guerra a que me refiro na segunda questão.

Negra Li – Através da educação da nova geração. Uma discussão equilibrada e inteligente em todos os setores da sociedade e ações que promovam a igualdade de direitos e oportunidades que diminuam o abismo social que existe no nosso país.

Dia da Consciência Negra: músicos falam sobre racismo

Negra Li
Negra Li
Créditos: Jr Duran/Divulgação

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No Dia da Consciência Negra, músicos falam sobre racismo e orgulho