Sepultura e Tambours du Bronx abrem o palco Mundo


Créditos: Gabriel Quintão

Se você fosse um músico de MPB e não estivesse com muita vontade de fazer um show certa noite, talvez o público não percebesse. Mas e se você fosse integrante do Sepultura? 

Agressivo, brutal, rápido. Esses adjetivos usados para descrever o novo álbum da maior banda de metal do Brasil The Mediator Beetween Head and Hands Must be the Heart, mostram que para ter vida de músico de metal é preciso um certo espírito guerreiro. 

Prestes a completar 30 anos de banda, em 2014, o único remanescente da maior banda de metal do Brasil, o baixista Paulo Xisto, ainda vê paralelo com o começo da banda, em Belo Horizonte. “Eu acho que a atitude ainda é a mesma. Eu consigo ver isso até hoje, o jeito que a gente era, antes da chegada do Derrick (Green, vocal), do Eloy (Casagrande, bateria), do Andreas (Kisser, guitarra), isso foi transferido de um para o outro e alimentado de um para o outro, e isso permanece na banda. Essa vontade de estar no palco, de chegar e representar a banda, representar esse nome, independente da época que cada um entrou. Você entrar lá e representar o nome do Sepultura bem representado, isso aí acho que é a parte mais importante”, defende em entrevista ao Virgula Música.

Paulo concedeu a entrevista ao lado de Derrick, logo após uma audição do novo trabalho, em um bar de São Paulo. O 13º álbum de estúdio deles tem lançamento previsto para o dia 25.

“Não é à toa que a gente está aqui há quase 30 anos. A gente sempre acreditou, tivemos altos e baixos, nada veio fácil, a gente teve sempre que brigar e continua brigando”, afirma o baixista. Ainda com um pouco de dificuldade em se expressar em português, Derrick fala sobre a dificuldade de se adaptar o Brasil quando chegou e sobre seu papel como negro no meio do universo metaleiro, onda há pouquíssima melanina, o que parece ruim para qualquer música.

“Eu lembro, quando eu assisti ao show dos caras do Bad Brains, eu vi esse show, mudou minha mente. Tem bastante gente que fala, ah, você é negro precisa fazer isso, hip hop e R&B. Só!”, lembra o vocalista e percussionista. Paulo rebate: “Os grandes nomes do rock mundial eram negros, Jimi Hendrix… Não precisa falar mais nada”. Em seguida, Derrick completa: “É, mas as pessoas se esquecem essa parte, não sei porque. Mas é incrível, pessoas negras não sabem do rock negro. É estranho para mim”. Leia a seguir a conversa com os músicos, que não perderam a chance de demonstrar que a vida de guerreiro não interfere no bom -humor:

Vocês chamaram Ross Robinson para produzir esse disco, que havia feito o Roots. Eu queria saber…

Paulo Xisto – Na verdade ele pagou muito dinheiro para gente para ele ser o cara que ia produzir o disco… (risos)

Eu queria saber se tem algum paralelo entre o momento que vocês viviam na época e o atual?

Paulo – Cara, assim, paralelo, a gente teve um déjà vu, umas lembranças na hora de gravação, pelo fato de ter trabalhado com ele, pela experiência que a gente teve, pelos resultados, ele foi reaproximado da gente e quando surgiu essa ideia de fazer essa parceria de novo, ele topou na hora. E o resultado, está aí, acho que é um dos grandes discos da carreira do Sepultura, a banda está 100% satisfeita com essa parceria. Ele e o Steve Evetts, que já tinha trabalhado com a gente anteriormente em alguns discos e essa combinação dos dois foi o casamento perfeito.

O público do metal é um dos mais apaixonados na música…

Paulo – Sim…

É quase uma religião. Em um momento em que o marketing dá muito as cartas, às vezes o som tem menos importância que os negócios, o que vocês acham que o metal tem para ensinar aos outros gêneros? Vocês estão falando em coração no título do disco novo de vocês…

Paulo – É, o marketing faz parte da vida de todos, principalmente hoje em dia, mas não é tudo. A música em si, ela te dá a resposta muito mais direta e a banda no palco te dá essa resposta. Então, tudo que é feito com o coração… a gente usa a tecnologia em tudo e no dia a dia, a gente não pode negar a existência dela, mas tudo que é feito com o coração, o resultado é diferente.

Você, Derrick, que vem dos Estados Unidos, sente isso aqui no Brasil, essa coisa emotiva do brasileiro?
Derrick – Sem dúvida, quando eu entrei na banda, não sabia o que era isso. E o mundo inteiro tem essa percepção em relação ao Sepultura, mas quando comecei a fazer turnê pelo mundo eu vi os fãs, os shows, eles são fanáticos, estão sempre lá, apoiando a banda. É incrível, com certeza não existe alguma coisa igual no mundo do metal, do rock.

E mais importante para a banda e os artistas focar em coisas de música. Acho que tem bastantes bandas que esquecem essa ideia. Eu comecei e acho que os caras começaram com música porque nós gostamos de tocar. Tocar com os amigos, no palco, para o público. É isso, só tocar, tocar, tocar. Para mim é importante outras coisas, eu nunca imaginei fazer as coisas que eu faço agora, mas na verdade é esse sentimento que importa. Eu quero tocar para o público, comunicar.

Qual contribuição você considera que trouxe para a banda?

Derrick – Mudou a minha vida. Cheguei aqui no Brasil, nunca tinha vindo à América do Sul, não conhecia ninguém, muitos anos se passaram nesse sacrifício. Para começar foi bem difícil morar em São Paulo, sozinho, amigos novos.

E, em relação ao seu toque pessoal na sonoridade?

Derrick – Muitas coisas antigas de hardcore e punk rock. Eu acho que eu trouxe um lado diferente para banda. E a voz também. Eu tenho mais oportunidade de usar meu vocal para outras coisas além de gritar, isso abre bastante oportunidade para a banda.

Paulo – O cara é negão americano, né, bicho, sabe cantar (risos). Até para gritar ele tem a técnica. Tem todos os elementos, e essa combinação abre o leque.

Paulo, você é o único remanescente, lá de Belo Horizonte. Ano que vem faz 30 anos de banda, o que tem daquela época hoje no Sepultura.

Paulo – Eu acho que a atitude ainda é a mesma. Eu consigo ver isso até hoje, o jeito que a gente era, antes da chegada do Derrick, do Eloy, do Andreas, isso foi transferido de um para o outro e alimentado de um para o outro, e isso permanece na banda. Essa vontade de estar no palco, de chegar e representar a banda, representar esse nome, independente da época que cada um entrou. Você entrar lá e representar o nome do Sepultura bem representado, isso aí acho que é a parte mais importante dela.

É sempre um recomeço? Pesa por exemplo, ter discos como o Roots, o Chaos AD na bagagem?

Paulo – Pesa nada, ajuda, é bom. A gente não esquece o nosso passado, nosso set hoje a gente vai começar a turnê do disco novo, baseado no Mediator…, mas toda a história do Sepultura vai estar colocada ali, principalmente que nós estamos completando 29 anos, já vai entrar na fase dos 30. A história não é esquecida, ela faz parte.

No próprio material de divulgação de vocês fala que esse disco que vocês estão lançando poderia ser tão bem sucedido comercialmente quanto esses que eu citei, Chaos Ad, Roots, “se vivêssemos outros tempos da indústria fonográfica”, qual é o conceito de sucesso para você hoje?

Mais importante hoje e fazer a coisa que você gosta e estar feliz, você acreditar nisso. Não é à toa que a gente está aqui há quase 30 anos. A gente sempre acreditou, tivemos altos e baixos, nada veio fácil, a gente teve sempre que brigar e continua brigando.

Como eu falo para os meus amigos, os moleques que estão começando em Belo Horizonte, não é tão difícil você comprar um carro importado. Você manter esse carro aí é que está.

Saber administrar isso, saber, entender que tudo na vida você vai ter aquela oscilação, não tem como, isso é o ciclo da natureza. E com isso aprender e continuar. Se você gosta do que você faz, continua fazendo.

E para você Derrick?

Derrick – Acho que sorte, muito trabalho, paixão pela música e disciplina. Você ficar focado. Foco.

Paulo, que dica você daria para um iniciante no metal?

Paulo – Cara, é acreditar no que você faz e tocar o máximo que você puder, quanto mais, melhor. Até hoje eu acho isso. O Sepultura sempre foi uma banda muito mais expressiva ao vivo e isso é impotante. Isso só o tempo vai te dar. São anos e anos de estar tocando, isso aí que vai te lapidar.

E o resto aí você trabalha. Tem que ter um pouco de sorte, tem que estar na hora certa, no lugar certo. Tudo ajuda, mas não é só ter sorte, tem que trabalhar.

Derrick, você como negro, tem poucos caras negros dentro do universo do metal. Você acha que o Brasil não se exploram algumas características, até mesmo de fusões com a cultura, que poderiam emergir, achar que está circunscrito apenas ao samba. Já que a maioria da população é negra?

Acho que algumas pessoas viram que existia a oportunidade, é legal. O mais interessante é que as pessoas entender esse estilo de música e ter paixão por esse estilo de música. Acho que isso é mais importante, negro, branco…

Tanto faz…

É.

Mas você de alguma forma é um modelo, para os meninos e meninas negros…

Derrick – Não, com certeza. Eu lembro, quando eu assisti ao show dos caras do Bad Brains, eu vi esse show, mudou minha mente. Tem bastante gente que fala, ah, você é negro precisa fazer isso, hip hop e R&B. Só!

Paulo – Os grandes nomes do rock mundial eram negros, Jimi Hendrix… Não precisa falar mais nada.

Little Richard…

Derrick – É, mas as pessoas se esquecem essa parte, não sei porque. Mas é incrível, pessoas negras não sabem do rock negro. É estranho para mim.

No Roots tinha muita música brasileira, capoeira, música indígena. Nesse disco parece que está mais diluído. Isso foi proposital? Também é curioso você terem gravado Da Lama ao Caos, porque a Nação Zumbi, na época do Chico Science tocava Territory nos shows…

É uma forma de homenagear esse grande artista, ele revolucionou a música no Brasil. Infelizmente, a gente o perdeu muito cedo porque se estivesse aí hoje com certeza estaria fazendo coisas fora de série, a gente poderia até estar dividindo palco com ele no Rock in Rio.

Como foi o Zé Ramalho…

Mas é uma influência que a gente já tinha, está sempre com a gente, o Derrick ter entrado na parte percussiva também ajudou. Esse elemento voltou um pouco por ter trabalhado com o Ross, do Roots, e é um elemento que acrescenta ao trabalho, enriquece.

Foi o cartão de visitas de vocês para o mundo todo?

Sim, pode ser explorado de várias formas. Como nós usamos o Tambours du Bronx, como nós trabalhamos com o kodō, que foi a percussão japonesa no Against, que é outra percussão, mas funciona. Então, o leque é amplo, dá para você fazer milhares de coisas. Sepultura e Prince, uh (dá um grito agudo) (risos).

Foi demais a participação do Zé Ramalho no show de vocês, os metaleiros todos de preto cantando as músicas…

Derrick – Povo feliz… (risos)

Paulo – É, um cara que influenciou. Ele era o heavy metal da época.

Você acham que ajudaram a abrir a cabeça dos metaleiros?

Paulo – Acho que sim.

Derrick – Sem dúvidas.

Paulo – E o Zé Ramalho ajudou os mais antigos a entender melhor o que o Sepultura é.


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Perto dos 30 anos de banda, remanescente do Sepultura vê espírito de luta vivo