Quem passa despercebido pelas estradas e cidades da região do Vale do Café, no interior do Rio de Janeiro, não imagina que ela guarda um lugar acolhedor, que parece perdido no tempo: o Quilombo de São José da Serra. Com cerca de 160 anos, é o mais antigo quilombo do Estado. Abriga 200 moradores, todos descendentes de escravos, que ainda vivem em casas de adobe e telhado de palha e recebem turistas e interessados em conhecer um pouco mais de suas histórias e tradições.

A comunidade fica localizada em uma fazenda em Santa Isabel do Rio Preto, distrito da cidade de Valença, no caminho entre Conservatória e Santa Rita do Jacutinga (MG) e mantém até hoje várias tradições religiosas e culturais deixadas pelos seus antepassados. Anualmente, em 13 de maio – dia da abolição da escravidão –, o quilombo promove a Festa dos Pretos Velhos, entidades cultuadas pelas religiões afro-brasileiras, e recebe cerca de 3 mil visitantes de todo o país, que chegam para ver a celebração do Jongo, dança folclórica típica, comer feijoada, assistir às rodas de capoeira, à folia de reis e, principalmente, à benção da fogueira, ponto alto da festa.

Os atuais moradores descendem de escravos oriundos do Congo, da Guiné e de Angola e que moravam nas terras da Fazenda São José da Serra. Vivem da roça de milho, batata, mandioca, feijão, goiaba, laranja, banana, jaca, maracujá, coco e pêssego. Por lá, muitas crianças nasceram pelas mãos de parteiras. O catolicismo, a umbanda, o artesanato tradicional, o fogão a lenha e o Terço de São Gonçalo fazem parte do cotidiano do lugar. Embora esta comunidade de herdeiros dos escravos pareça guardar as características originais e nos conduza numa viagem pelo tempo, já podemos encontrar marcas da modernidade: há eletricidade (que só chegou há cerca de dez anos), uma página do Facebook e um blog da comunidade.

O Quilombo de São José da Serra é conhecido pela simpatia com que os moradores recebem qualquer visitante. Todos podem entrar em suas casas para um cafezinho e um bom bate-papo, desde que estejam preparados para uma verdadeira viagem no tempo e às memórias do passado de um povo que quer manter vivas as suas raízes. As histórias são contadas na primeira pessoa, como as de Tio Mané – Manuel Seabra, o morador mais velho, de 92 anos – ou de Mãe Tetê – Terezinha Fernandes de Azedias, de 67 anos –, uma das lideranças, que comanda o terreiro de umbanda herdado de Mãe Firina, e cuja fama atrai até visitantes estrangeiros.

A umbanda, aliás, e o jongo são importantes ferramentas na manutenção da identidade afro-brasileira para os quilombolas. Os moradores fazem palestras em escolas e recebem visitas no quilombo, fora do âmbito da Festa dos Pretos Velhos, como forma de divulgar sua história e reforçar a luta pelos seus direitos. Este reforço tem razões para existir: o passado da comunidade está ligado à luta pela posse da terra e contra o preconceito racial e a intolerância religiosa. Em 2009, os moradores conquistaram o título das terras da fazenda, mas ainda esperam a posse efetiva.


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Quilombo mantém tradição no interior do Rio e recebe visitantes