Um grupo de quatro amigos assiste a uma partida de futebol no sofá, com bandeiras do Brasil, cornetas e camisas da Seleção. Ao lamentarem, entre gritos, um passe mal-dado por um jogador do Brasil, um deles sentencia: “Futebol é coisa de viado, esse cara joga que nem homem!”. O vídeo do novo canal do Youtube Põe na Roda faz parte de um fenômeno de grupos de humor. Eles apostam no público LGBT, e seu humor característico, muitas vezes subvertendo os clichês do preconceito para provocar o riso.

Assista:

“Na TV e na Internet tem inúmeros canais e programas voltados pra homem, pra mulher, pra criança. Comparando, o conteúdo voltado ao público gay, é pequeno”, analisa Pedro HMC, fundador do Põe na Roda. Ex-roteirista do extinto Furo MTV, Pedro defende que o canal não serve apenas ao humor, mas também pretende levar informação ao espectador. “O papel do humor é muito político. Uma esquete que escrevi pro [canal de videos] Parafernalha em que um filho se assume hetero pra família por exemplo, acho muito mais política do que engraçada propriamente”, diz.

Jessica Tauane e Debora Baldin, do Canal das Bee, ecoam o sentimento. Criado como um projeto de TCC de Tauane, o canal tem viés explicitamente mais ligado à política e ao ativismo, sem deixar de lado a leveza e o bom humor. “Vimos que quando a mensagem é transmitida dessa forma, ela encontra muito mais abertura. No entanto, não é fácil fazer um humor que não se sirva de preconceitos e estereótipos. É um trabalho constante e muito necessário”, explicam. Outro ponto interessante do ativismo na chave do humor é que ele alcança até mesmo espectadores homofóbicos: “Nós adoramos – é sinal de que estamos comunicando para quem não nos apoia, e quem sabe, quebrando o preconceito de algum deles”.

O Gayrotos tem humor como acessório, mas foca mesmo nos vídeos de comportamento e ativismo. Criado por Gabriel Utiyama e Danilo Leonardi, começou como uma plataforma para falar do relacionamento dos dois, que foram namorados. Após o término da relação, mudaram o foco dos vídeos. “Temos nossa própria maneira de ver as coisas e expressá-las, que é uma forma bem jovem e informal, então piadas e referências à humor certamente também fazem parte do que fazemos, principalmente porque o próprio humor serve como maneira de falarmos de assuntos difíceis”, dizem.

Para os três canais, o boca-a-boca é a principal arma de divulgação, especialmente no Facebook. O Põe na Roda, em pouco menos de dois meses, acumula dois milhões de visualizações e 63 mil inscritos no Youtube. O Canal das Bee contabiliza mais de 1 milhão, com 21 mil inscritos. Já o Gayrotos, mesmo com ângulo mais específico, traz 420 mil views e sete mil inscritos. Tudo com investimento próprio – às vezes diminuto. Os lucros não são contabilizados com tanta facilidade. Investimento próprio. “Gastamos com os adesivos de parede que compramos para montar o cenário inicial do canal, o logo e o domínio/servidor que temos comprado para uma futura expansão”, diz a dupla do Gayrotos.

O clima de colaboração é marcante no Põe na Roda, que traz vídeos de acabamento mais sofisticado, dada a experiência de Pedro HMC com TV. “Emprestamos equipamentos, estúdio, tudo, de amigos que gostam da gente e acreditaram no projeto”, diz ele. “Eu escrevendo e editando, amigos topando participar e aparecer”, completa. Já o Canal das Bee levanta lucros por meio do AdSense, ferramenta do YouTube que permite veicular anúncios nos vídeos. O retorno, no entanto, não acompanha a velocidade das visualizações. “Tivemos algum retorno financeiro proveniente do YouTube, por causa das visualizações”, contam Jessica e Debora. “Nosso objetivo principal agora é que o Canal seja sustentável, ao menos. Que ele seja capaz de subsistir, sem que tiremos do nosso bolso”, afirmam.

Na esteira de grandes canais do Youtube como o Porta dos Fundos e usando o caminho aberto por videologgers famosos como Felipe Netto e PC Siqueira, os canais cumprem, confortavelmente, os papeis de informar e entreter. O diálogo com o público LGBT é benvindo, bem como a surpresa de agradar a uma demografia bem mais ampla.

“Já recebemos diversos ataques nos comentários, mas os próprios “fãs” e comentaristas do canal já tratam de conversar com os homofóbicos, tentando fazê-los entender o malefício de seus atos”, relatam Gabriel e Danilo, do Gayrotos. “É gratificante saber que contribuímos pra que as pessoas tenham acesso mais fácil a informações e curiosidades do mundo gay. Tem muito tabú sobre esse tema e queremos desmistificar, de preferência fazendo rir também”, continua Pedro HMC. “Definitivamente não fizemos o Canal para falar apenas com quem já apoia a causa LGBT”, reafirma a dupla por trás do Canal das Bee.

Com tudo isso, os canais se tornam também um instrumento de empoderamento e autoestima para a comunidade LGBT, que, se avançou em suas conquistas nas últimas décadas, ainda sofre com mazelas de preconceito e opressão no Brasil, particularmente fora das capitais. Para Pedro, a internet foi um divisor de águas nesse sentido: “Antes, se você era gay, era muito mais difícil de descobrir, se aceitar, descobrir que existem pessoas como você, e principalmente, que ser gay é absolutamente normal”.


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Canais de humor voltados para público LGBT atraem até mesmo os homofóbicos