Entrevista com Laerte Coutinho

Laerte na entrada da exposição
Laerte na entrada da exposição "Ocupação Laerte"
Créditos: Gabriel Quintão

Com mais de 40 anos de carreira, a cartunista Laerte Coutinho é tema de uma exposição organizada pelo seu filho, Rafael Coutinho. Em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, até 02 de novembro, a Ocupação Laerte se inspira no Labirinto de Minotauro para mostrar as mais variadas facetas e fases da cartunista.

O Virgula Famosos visitou a mostra e conversou com a Laerte a respeito de sua carreira e de sua militância LGBT (lésbica, gay, bisexual e transgênero). Após três casamentos heterossexuais, a cartunista começou a se vestir de mulher, assumindo posteriormente sua identidade transgênera e se tornando uma ativista pelos direitos LGBTs.

Veja abaixo a entrevista do Virgula Famosos com Laerte Coutinho.

Virgula FamososComo foi visitar a exposição e rever várias fases de sua carreira?

Laerte Coutinho – Ver esse material todo reunido, de certa forma, traz a expectativa de encontrar as pessoas que viram e ouvir delas o que elas acharam. Se eu tentar descrever, eu vou ser imprecisa, mas é meio assustador, o que não significa que seja ruim.

Olhando em retrospecto, como você vê as mudanças no seu trabalho? E a sua transgeneridade, como ela se encaixa nos seus desenhos?

O meu trabalho mudou muito nesses 40 anos, principalmente porque os meus critérios mudaram muito nesse tempo. As minhas últimas transformações, que envolvem questões de transgeneridade, não chegam a ser algo físico, mas sim uma mudança na minha apresentação e na minha representação social. Isso também tem a ver com o meu trabalho, mas é difícil dizer o que provoca o que: é o meu trabalho que me leva a essa expressão transgênera ou é essa vivência que altera o meu trabalho? Eu prefiro pensar que é um pacote de reflexões e experimentações que eu venho fazendo nos últimos quinze anos.

Como a questão da identidade sexual e a questão de gênero aparecem nos seus quadrinhos?

Essas questões aparecem em várias histórias. Em Los Três Amigos (série de quadrinhos, criada em 1991, que retrata as aventuras de um trio de personagens que são os alter egos de seus criadores: Angel Villa, o alter ego do Angeli, Laerton, do Laerte e Glauquito, do Glauco), o Laerton é um transformista. Eu acho que com o Laerton, eu já estava demonstrando tanto a minha inquietação em relação a minha orientação sexual quanto às questões de gênero, que são coisas independentes que se articulam.

Você é muito militante de questões LGBTs em seu perfil no Facebook. O que te motiva a investir tempo no ativismo?

É a minha vivência LGBT. Eu tenho uma percepção e uma aceitação tardia, tanto da minha orientação sexual quanto da minha identidade de gênero, mas isso não quer dizer que não tenha sido intensa. Essa nova vivência tem sido muito importante para mim, eu tenho conhecido pessoas que estão no movimento e que se dedicam à luta pelos direitos LGBTs, que é uma luta especial não porque é um nicho da sociedade, mas porque ela evidencia como a democracia brasileira é falha, como a cultura brasileira tem dificuldade de compreender a necessidade de liberdades e direitos amplos. O que eu quero dizer é que eu não estou militando especificamente para os LGBTs, eu estou fazendo da minha vivência LGBT o eixo de uma luta por liberdades democráticas, por direitos civis e por uma sociedade mais justa. Uma luta, que de certa forma, sempre foi minha, seja no tempo em que eu queria uma sociedade comunista, seja quando eu defendia direitos profissionais. Eu sempre tive uma visão global das possibilidades de mudança.

Como você vê as questões LGBTs no debate eleitoral?

Os temas LGBTs têm tido um destaque inédito e, dentro destes temas, a letra T (trasgêneros) ganhou uma luz própria que ilumina as outras letras. Esta luta vem assumindo um caráter mais profundo, com mais seriedade, se inserindo numa questão democrática. Quanto mais a gente conseguir fazer disso uma questão de todos, melhores frutos a gente vai colher. A compreensão da transgeneridade leva a conclusões tão radicais que, de certa forma, mudam tudo. Para que eu preciso classificar as pessoas como heterossexuais, como homossexuais, como bissexuais em um contexto em que não existe mais gênero? Por que eu preciso classificar mais minhas relações sexuais como “dentro da norma”, “fora da norma” ou “ao lado da norma” se não existe mais “a norma”?

Quando e como você adquiriu a consciência dessa complexidade de gênero? Porque antes você se dizia bissexual, depois, em outro momento já no campo da identidade de gênero, você se definia como crossdresser, e depois como transgênero…

A semana passada (risos). Eu acho que é uma evolução, eu vou refletindo e mudando meus conceitos. A minha primeira batalha teve a ver com a percepção e aceitação do meu desejo por homens, que foi durante décadas um tabu para mim. O passo seguinte, depois de alguns anos, foi a descoberta do gênero e como isso me agrada, como isso me satisfaz. Além disso, os debates e discussões que eu tenho vivido me levam a outras conclusões.

Voltando aos debates eleitorais, você acha que estas questões estão sendo levadas a sério, ou são mais uma moeda de troca?

Tem quem leve a sério e tem quem faça disso um momento de oportunismo para obter vantagens. Não há o que fazer em relação aos oportunistas. Tem um amigo meu que dizia que quando os oportunistas aparecem é sinal de que ali há algo promissor porque oportunista não gruda naquilo que eles acham que não dará certo.

Você pensa em se candidatar a algum cargo político?

Não, para mim o trabalho de representação política dentro do governo corresponde a um tipo de talento que eu não tenho, infelizmente. Do lugar onde eu estou já é legal, eu posso fazer bastante na posição em que estou.

Em 2012, você foi impedido de usar banheiro feminino. Você ainda sente preconceito?

De um modo geral, eu tenho um tratamento legal e carinhoso. Não é a norma no Brasil. De rotineiro a gente abre o jornal e vê que o tratamento que se dá a homossexuais, lésbicas, bissexuais e transgêneros é violento e criminoso.

Como combater o preconceito?

O problema do preconceito é que ele não altera os seus critérios mesmo quando confrontados com fatos, ele é impermeável à realidade. A importância das pessoas saírem do armário é muito grande, mas o chato é muita gente se apega ao direito à privacidade para não se declarar. Esse direito à privacidade é legítimo, não tem como negar, só que ele é inimigo da luta por direitos. Quando você não vê todas essas identidades que estão escondidas, o julgamento se dá sobre o que está visível.

Você acha que o quadrinho consegue ter uma influência nisso?

Sei lá (risos). O quadrinho, a charge, o cartum tem um alcance limitado. A gente coloca muitas expectativas em cima dessas linguagens.

Serviço
Ocupação Laerte
Visitação: até 2/11 de 2014
De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Classificação indicativa: 14 anos
Entrada franca


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‘É importante sair do armário’, diz Laerte sobre como combater a homofobia