A MTV Brasil quando surgiu, em 1990, teve como primeiro clipe Marina Lima cantando a clássica Garota de Ipanema. Parecia que ali estaria apontando para uma síntese de como a cultura e, em especial, a música brasileira seria tratada pela emissora. Ledo engano, o peso da cultura americana se impôs de forma acachapante nos primeiros anos do canal. Não existe melhor exemplo de ser colonizado culturalmente do que a própria MTV Brasil.

Trabalhei em três momentos daqueles que foram o período áureo da MTV Brasil – os anos 90. Fui “producer” (a maneira abestalhadamente “cool” que eles chamavam os produtores), em 91. Depois voltei a ter a mesmo função, em 93. E por fim, em 1995, fui repórter. Vi muita coisa acontecer. A começar pela mudança de endereço. Quando a emissora saiu de Pinheiros e foi para o antigo prédio da TV Tupi, o Sumaré (bairro paulistano) era um. A chegada da MTV mudou a coloração do bairro, de uma hora pra outra, o pacato bairro começou a ter moradores e passantes tatuados, com cabelos coloridos, camisas de rock e de flanelas (nos anso 90 isto era uma novidade e não era nada comum). Ganhou (um outro) estilo.

E realmente era muito “moderno” (como se falava na época) trabalhar naquele lugar. Tinha happy hour com banda e cerveja no 9º andar, reunião de pauta com hambúrguer e batata frita, convites pra shows e festas bacanas, além de pessoas interessantes. Uma, em especial, eu tinha medo e nunca me aproximei – vim a falar com ela muitos anos depois quando já não trabalhávamos lá e disse da minha admiração. Cali Cohen foi por um período diretora do Promo, o departamento que fazia as vinhetas da emissora, isto é, a nata da criação. Ela tinha fama de jogar coisas pela janela e eu adorava as lendas que surgiam sobre ela. E sim, éramos muito loucos em todos os sentidos. Lembro de dois amigos que tomaram um ácido depois do trabalho, ficaram de papo na redação e a droga bateu quando eles entraram no elevador e deram de cara com o crítico de cinema Rubens Ewald Filho. Enfim, carregávamos o símbolo da modernidade, isto é, éramos os portadores das novidades, estas sempre vindas ou dos Estados Unidos ou, algumas vezes, da Europa, nunca de outro lugar, isto é, colonialismo cultural puríssimo.

Lembro que amava Nirvana na mesma intensidade que Mutantes ou Caetano e não entendia o porquê no íntimo a música feita no Brasil ser considerada cafona no inconsciente da emissora. Uma vez, ainda “producer”, propus para o Gastão Moreira fazermos quatro programas falando de Hermeto Pascoal e Walter Smetak. Ele topou na hora e os programas foram ao ar sem alarde, mas fiquei marcado como nacionalista, ou pior, brega. Apesar disto, não estava sozinho, poucos pensavam como eu. Foi neste período que, com outro amigo do trabalho, o hoje diretor de cinema e TV Sérgio Zeigler, fizemos o roteiro de um curta-metragem sobre Glauber Rocha dentro da redação, mais sintomático que este exemplo não existe.

O tempo passou e surgiu Chico Science e o Mangue Beat. Muitos, que viravam o rosto para o que era produzido no país, se renderam. Logo, Soninha (a pessoa que me chamou pra trabalhar na MTV) virou VJ e começou a apresentar um programa só de músicas brasileiras. Foi então que tive o entendimento. O problema não era a música brasileira e sim estar sempre à procura do que era supostamente novo e, em um primeiro momento, a novidade parecia vir de fora – como acontece há séculos na cultura brasileira. No fundo, a MTV Brasil era brasileiríssima de alma, ela representava a essência de um pensamento brasileiro que dominou (e ainda domina) nossas mentes que é de nos considerarmos vira-latas no pior sentido do termo.

Também ficou claro a obsessão da emissora para tudo que era novidade. Seja o punk que entrevista, seja stand up da vez, o importante era ter frescor, parecer ter algum ineditismo. Mas a própria emissora carregava dentro dela seu próprio veneno, ela é uma TV.

Nos tempos de hoje, o “novo” se diluiu e acredita-se que está na internet que acabou tomando o lugar da televisão como farol dos “museus de grandes novidades”. Derrotada em parte pelas redes como YouTube, que exibem clipes com a vantagem da interatividade, isto é, escolhe-se a hora que quer ver e como, a MTV envelheceu. E envelhecer para quem quer ser sempre jovem é um péssimo negócio.

Mas se ela envelheceu, muitos dos seus funcionários amadureceram, o que é outro nível de vínculo com o tempo. Namoros, casamentos e separações aconteceram dentro da emissora, amizades se formaram e desfacelaram, laços de todos os tipos se fortaleceram e se enfraqueceram. E muita gente que começou como estagiário, “producer whatever”, hoje está em outra situação, e teve na emissora um grande laboratório de aprendizado tanto profissional como de vida. Eu pelo menos tive.

Salve MTV Brasil que deixou de ser “moderna” para ser eterna nas nossas memórias!

PS: Desculpe o relato em primeira pessoa, estilo MY MTV do baixo clero, mas parte da história da emissora passa pela minha, assim como de muitos que lá trabalharam.


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My MTV do baixo clero: A emissora, que sempre apontava o novo, foi vítima de sua própria obsessão