“Ele era uma pessoa muito boa, um rapaz calmo e atencioso”, recorda Benedita Julia Eusébio, de 51 anos, irmã de Edson Néris da Silva, homossexual que foi espancado até a morte por skinheads no centro de São Paulo. Neste sábado (6), o emblemático crime completa 10 anos e Benedita teme que o caso seja esquecido pela sociedade.

“Eu agradeço por vocês entrarem em contato comigo. Não tenho muita coisa a dizer, mas a morte do meu irmão não pode cair no esquecimento. O pior é que outros crimes semelhantes já aconteceram”, disse Benedita ao Virgula.

Na madrugada daquele domingo, Edson, que era adestrador de cães, passeava de mãos dadas com seu companheiro, Dario Pereira Netto, na Praça da República, região tradicionalmente frequentada por gays, quando foi surpreendido pelo grupo de neonazistas conhecido como Carecas do ABC. Dario conseguiu escapar, mas Edson foi cercado e brutalmente agredido com chutes e golpes de soco-inglês.

A Polícia chegou a deter 18 suspeitos, sendo duas mulheres. No julgamento, alguns receberam penas brandas por somente participar do ataque, já outros foram condenados a 21 anos de prisão por crime de formação de quadrilha e homicídio triplamente qualificado. Beneficiados pela progressão das penas, todos já estão em liberdade.

“Eu tenho piedade deles”, admite Benedita. “Não desejo mal a ninguém, mas gostaria que a justiça fosse feita. Eles tiraram a vida do meu irmão e deveriam pagar na cadeia por isso”. A irmã de Edson esteve presente nas nove primeiras audiências sobre o caso, mas desistiu de acompanhar os desdobramentos judiciais há alguns anos. “Mesmo que eles voltem para a prisão, não vão devolver a vida do meu irmão. Ele ainda era jovem, tinha apenas 35 anos e muito a viver”, justifica.

Benedita e Edson não cresceram juntos. Criada pelos avós e distante dos pais, ela viu o irmão pela primeira vez aos 16 anos. “Ele era um pouco mais novo, tinha 11. Nunca vivemos juntos, mas tinhamos um relação próxima e de respeito. Até hoje eu lamento por ter levado tanto tempo para conhecê-lo. Gostaria de ter falado muitas coisas para ele, mas, de repente, isso se tornou impossível”, lamenta.

Antes de assumir que era gay, Edson teve dois relacionamentos com mulheres. “Nós não sabíamos que ele era homossexual. Quando ele morreu é que ficamos sabendo”, esclarece a irmã. “Mas isso não muda nada. Ele era meu irmão e uma ótima pessoa”, finalizou.

Homenagem

O advogado Eduardo Piza Gomes de Mello nunca conheceu Edson, mas decidiu homenageá-lo ao batizar uma ONG com seu nome. Trata-se do Instituto Edson Néris, que atua em defesa dos direitos dos homossexuais. Para Eduardo, o caso de homofobia ocorrido na Praça da República pode ser considerado um divisor de águas. “Há uma significativa mudança. Hoje existe uma tendência de inclusão, uma aceitação, um processo de descontinuação do preconceito, mas ainda há muito a evoluir”, argumenta Eduardo.

“Infelizmente, nós encontramos casos como os de Edson Neris todos os dias. Travestis são agredidos todos os dias por ‘filhos de papai’ que param o carro e arremessam o extintor, por exemplo. E depois dizem que eles [os travestis] é que são violentos por carregarem uma navalha junto ao corpo. Eu mesmo me deparei com pessoas que tem dificuldade de assumir sua orientação por conta desse medo, dessa violência”, explica.

Entre outras coisas, o Instituto Edson Néris ministra palestras e realiza eventos com o objetivo de promover o debate sobre cidadania e direito de gays, transexuais, lésbicas e simpatizantes. A entidade não tem fins lucrativos e é administrada através de voluntários.

Outros casos

Na Parada Gay de 2007, o turista francês Grégor Erwan Landouar também foi assassinado. Grégor foi esfaqueado por quatro desconhecidos ao sair de um bar e morreu pouco depois em um hospital de São Paulo. O autor do crime, o punk Genésio Mariuzzi Filho, de 23 anos, apelidado de Antrax, confessou o crime e foi condenado a 27 anos e seis meses de detenção.

No ano passado, outro caso de agressão provocou a morte do cozinheiro Marcelo Campos Barros. Segundo testemunhas, ele foi espancado por um grupo de carecas nas imediações da dispersão da Parada Gay, na região central de São Paulo, em 14 de junho. Marcelo teve morte cerebral motivada por traumatismo craniano.


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Caso do homossexual espancado até a morte em São Paulo completa 10 anos