Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira, ou apenas Otto, começou sua carreira na ferveção do mangue beat: foi percussionista da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A (com a banda de Fred 04, participou da gravação dos CDs Samba Esquema Noise e Guentando a Ôia). Após o lançamento de dois álbuns bem-sucedidos (Samba Pra Burro, em 1998, e Condom Black, de 2001), o compositor amargou o fracasso da crítica com seu terceiro trabalho, Sem Gravidade, de 2003.

Seis anos depois, em formato independente, o pernambucano retornou ao disco com o elogiado Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos, apontado como um dos melhores álbuns de MPB do ano passado. O disco contou com o instrumental de Dengue (baixo), Pupilo (bateria, percussão e produção), da Nação Zumbi, e do guitarrista do Cidadão Instigado Fernando Catatau, além das participações especiais de Céu, Julieta Venegas e Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado.

Em entrevista ao Virgula Música, Otto falou sobre o processo de composição do álbum, reclamou da crítica musical e adiantou detalhes de seu próximo projeto. Leia a entrevista abaixo!

Como foi o processo de composição de seu novo álbum? Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos é uma frase do livro Metamorfose, do escritor checo Frank Kafka, não é?
Foram cinco anos ao todo para fazer esse álbum, um processo bem sofrido. Meu processo de composição busca compreender o ser humano. E a obra de Kafka se encaixa perfeitamente nessa busca. Mas não quis trazer para o público um conceito mastigado. A intenção era desdobrar essa temática e estabelecer um diálogo entre as ideias. O importante foi que eu rasguei meu peito, abri meus sentimentos para quem quiser ouvir.

O disco foi bem elogiado pela crítica, após a recepção fria a Sem Gravidade. Como foi esse período, ainda mais considerando que você ficou desde 2003 sem lançar um álbum de inéditas?
Você mencionou que o disco novo foi bem recebido pela mídia. Eu desconfio disso, e muito. Sabe por que? Porque ninguém estava falando nada! Fiquei anos sem ninguém me chamar pra festival nenhum, agora, do nada, os caras começam a falar bem de novo. Isso aconteceu porque o (jornalista americano) Larry Rother fez aquele perfil belíssimo sobre mim no New York Times. O povo daqui começou a falar bem porque não tem como fugir: o bambambã da gringa disse, tem que calar a boca. O importante nisso tudo foi o público, que jamais me abandonou.

O álbum foi lançado primeiro nos Estados Unidos, pela gravadora Nublu, e só depois chegou ao Brasil pela Arterial Music. Como foi lançá-lo na raça, sem o apoio de uma grande gravadora?
Foi dificílimo, óbvio. O dinheiro saiu todo do meu bolso, paguei tudo, e essa grana não volta. Não tinha como ter gravadora. O que acabou acontecendo foi que tive que retroceder para dar um passo a frente. Foi que nem na época de Samba Pra Burro, que gravei inteirinho sozinho e entreguei pronto pra gravadora fazer o trabalho de divulgação. É um círculo vicioso: as grandes gravadoras dificultam a vida do artista, e, para piorar o cenário, a crítica só desfavorece, destrói.

Mas a crítica vem dando muito espaço para lançamentos nacionais, como o seu, o da Céu (Vagarosa), do Cidadão Instigado (Uhuuu!)
Tenho 41 anos e continuo ralando o dia todo com divulgação como se tivesse 18. Se comigo, que tive um CD megaelogiado, é assim, imagina com o resto da galera? Não vejo ninguém elogiando bons músicos brasileiros nem a crítica se preocupando em conhecer o que de melhor é feito por aqui. Somos uma província musical. Existe uma necessidade doentia de precisar falar inglês e se orientar pelas paradas da Billboard.

Qual foi o papel da Internet na divulgação do disco, que foi lançado de forma independente? Dessa forma, é possível driblar a crítica?
A internet é Deus, influenciou demais o processo do álbum. O Deus de hoje é digital e isso derruba a crítica, faz com que o artista consiga de fato colocar seu trabalho para todas as pessoas que se interessem em ir atrás. A Web fortalece o real, que é a música. Todo esse falatório da crítica em torno da música é blábláblá, só o que é real e importa é a música de fato.

Então não te incomoda que as pessoas baixem o álbum de graça, sem pagar direitos autorais?
O que eu quero é que as pessoas ouçam a minha música, entende? Baixem, compartilhem, mandem pra todo mundo, ouçam com os amigos, espalhem! Isso sim é vida, isso sim é música! Se quiser comprar, legal, valeu, mas e como fica o cara que não tem grana? Vai ficar sem ouvir? Vai nada! Nem deve!

Você já está trabalhando em seu próximo álbum?
Com certeza! O nome do álbum será The Moon 1111 [frase que Otto tatuou em sua mão direita]. Já decidi que quero Pupillo e Naná Vasconcelos nesse álbum, que terá de tudo um pouco: Fela Kuti, John Coltrane, baião, afrojazz, samba, Erasmo Carlos… Uma alquimia!

O que mudou no seu processo de composição durante a criação de Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos e que vai aparecer com mais força no novo álbum?
Uma coisa que eu senti durante o período de gravações é que, cada vez mais, não sinto necessidade de preparar as músicas antes, ensaiar. Tudo sai muito tranquilamente no improviso. A música está fluindo tão rápido e de maneira tão natural que não quero mais programar nada. E é nessa atmosfera que vou criar meu próximo álbum.

Você vai lançar seu álbum em São Paulo em março, em dois shows no Auditório Ibirapuera, não é? O que o público pode esperar?
Estou maravilhado em poder tocar no Auditório e tenho certeza que os shows vão ser incríveis. Prometo explodir o lugar de música, porque cada vez mais eu me sinto extasiado em tocar. Meu público é genial! Tem gente nova, gente velha, gente louca, fãs de Caetano, fãs de rock… de tudo! E eles não me decepcionam nunca!


int(1)

Entrevista: Otto fala sobre seu novo CD, o elogiado Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos