Só damos valor quando perdemos, aconselha a clássica filosofia de avó. Foi o que fizemos com Michael Jackson. Ficamos tratando ele por anos como um freak de tabloide, talvez até um pedófilo, o esquisitão que provoca risos quando passa na rua, o demente que sacode um bebê na janela e que quando entrava no estúdio só gravava música insípida.

Daí ele morreu.

E fomos inundados com as lembranças de Thriller, do Jackson 5, do Moonwalk, daqueles clipes fenomenais, do pós-adolescente de Off The Wall. Lembramos que ele tinha sido coroado Rei do Pop não por qualquer armação despótica, mas que chegou lá carregado nos braços do povo. Lembramos que esse que não estava mais entre nós tinha sido o maior artista pop do século 20.

Tentamos compensar correndo atrás novamente de sua música e de suas imagens, congestionando as paradas de sucesso com seus álbuns e músicas. Corremos atrás mais uma vez de suas memórias e histórias. De qualquer coisa, de qualquer fragmento dele para guardar, como que para compensar um pouco a injustiça de tê-lo deixado padecer no purgatório das celebridades decadentes.

This Is It é um adeus que faz parte desse processo de devolver a Michael o que é de Michael: o talento nato, o perfeccionismo técnico, a musicalidade a flor da pele, a dança prodigiosa (é fácil esquecer que quem está ali se requebrando o tempo todo é um senhor de 50 anos), o carisma espontâneo, a voz que era só dele, os hits perfeitos. A câmera do “making of” dos ensaios joga tudo isso na lente de aumento e Michael se sai muito bem. E é essa câmera próxima que nos permite também ver um pouco do menino doce e carinhoso que está debaixo do mega-talento, o tempo todo dizendo o quanto ama as pessoas de sua equipe.

O filme é talvez nossa última chance de ver um Michael que ainda era inédito. Montado a partir de cenas de ensaios para os 50 shows que ele faria em Londres em julho, faz até quem não era muito fã colar os olhos na tela e se deixar hipnotizar. E daí que é um caça-niquel, condenado por muitos fãs e familiares de Michael? O poder do material aqui redime quaisquer intenções duvidosas.

Não há espaço para imperfeições em This Is It. Durante esse passeio de uma hora e meia pelo mundo mágico de Michael Jackson não há menção a problemas pessoais, a traumas, a drogas, a crises de criatividade e de paranóia. E não há por que ter. Não é esse o Michael que queremos guardar na memória.

As músicas do filme incluem “Wanna Be Startin’ Something”, “Black or White”, “Jam”, “Man In the Mirror”, “Billie Jean”, “Smooth Criminal”, “Beat It”, “Thriller”, “Don’t Stop Till You Get Enough”, “They Don’t Care About Us”, um medley de três músicas do Jackson 5 (que ele dedicou aos irmãos que eram do grupo e aos pais), além de “Shake Your Body”, que eles gravaram já como The Jacksons.

Cada música é apresentada com montagem própria de cenários, efeitos, vídeos, coreografia, todos tão impressionantes: um cemitério como mortos-vivos para “Thriller”; um remix visual do clássico hollywoodiano Gilda para “Smooth Criminal”; uma escavadeira gigante em “Earth Song”.

Seria perda de tempo tentar passar aqui neste humilde texto o bombardeio que isso provoca nos sentidos. Afinal, tudo vem acompanhado de forte emoção e esta é ainda mais difícil de colocar no papel. Ao final de cada número, dá vontade de levantar aplaudindo no escuro do cinema, como se estivéssemos no show de fato. Se tivessem acontecido, estes shows teriam sido nada menos que triunfais.

E ao ver Michael assim, em pleno uso de seus poderes, mostrando como é tão bom no que faz, interagindo de modo tão agradável com seus colegas de show, contradizendo todas aquelas más notícias sobre a sua vida, é que vem à tona uma estranha indignação:

Por que, desgraçado, você foi morrer? Por quê?


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ANÁLISE: This Is It devolve a Michael o que é de Michael

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