Brasileiros donos de lojas de roupas, especialmente os do Rio Grande do Sul, têm abastecido seus negócios com mercadoria barata, vinda da Argentina. O maior atrativo é a desvalorização do peso argentino, que torna o negócio atraente para sacoleiros de todos os portes.

O Paraguai, que já foi nosso principal fornecedor de muambas nas décadas de 80 e 90, hoje cruza a fronteira por nossas bananas. Literalmente. Vans e caminhões entupidos de frutas, alimentos e produtos básicos brasileiros, de preço inferior aos de origem paraguaia, atravessam livremente a extensão da Ponte da Amizade.

Com o contrabando escasso no Paraguai, o vizinho sul-americano que agora alerta para a questão da ilegalidade é a Argentina. Desde que a crise econômica eclodiu, a Argentina parece não conseguir se reerguer. A persistente desvalorização da moeda coloca o país na rota dos brasileiros, não apenas pelo turismo, mas agora como centro de compra de produtos baratos.

Sotaque gaúcho pelas ruas

Caminhando pelo bairro de Flores, subúrbio de Buenos Aires, ouve-se o português, muitas vezes com sotaque gaúcho. Comerciantes brasileiros carregam malas tamanho king-size pelas calçadas da rua Avellaneda, exatamente igual à nossa José Paulino, no Bom Retiro, em São Paulo. As semelhanças com São Paulo são ainda maiores quando se nota que na administração estão coreanos e na parte braçal os bolivianos (grande parte ilegais), estes remunerados com valores ainda mais insignificantes do que os praticados no Brasil.

As sócias Daniela, de 24 anos, e Juliana, de 26 anos, proprietárias de uma boutique em Porto Alegre aproveitam a ida para a gaúcha Uruguaiana, cidade na fronteira com a Argentina, para uma rápida passada em Buenos Aires (16 horas de ônibus), a fim de reabastecer a loja para a estação que se aproxima. “Além de ser, para nós, mais perto que São Paulo, aqui não precisamos ter CNPJ para comprar no atacado”, diz Juliana.

“As roupas são mais estilosas, há mais variedade de modelos, e são incrivelmente mais baratas. Uma blusa comprada por R$ 40 no atacado no Brasil, aqui sai por R$ 10”, compara. O que barateira ainda mais é que os produtos estão livres de impostos, já que a Argentina retorna o valor dos impostos nacionais sobre o produto aos estrangeiros – o reembolso é no valor de 10% do valor da compra.

De volta ao Brasil, os lojistas revendem cada peça por três ou quatro vezes o valor original. As peças mais buscadas são as de inverno, como mantas, pashminas, blusões, casacos e coletes, além do couro argentino, que é encontrado no bairro Onze. A qualidade dos produtos, porém, é visivelmente inferior a dos nacionais. A maior parte das roupas é costurada com overloque, uma das mais máquinas mais rápidas e eficientes de se costurar. As peças confeccionadas com essa técnica têm maior facilidade de se romper. Apesar disso, as comerciantes justificam: “Compramos conscientes disso”.

Retorno ao Brasil

Na fronteira da Argentina e Uruguaiana, comerciantes não reclamam da fiscalização. A maioria se declara isenta, pois enquadra seus bens dentro de bagagem acompanhada – roupas e outros objetos de uso ou consumo pessoal. “Tiramos as etiquetas dos produtos e misturamos as mercadorias às nossas próprias roupas”, diz Daniela. Quando a bagagem é visivelmente excessiva, o esquema usado é o transporte por “mulas”, no qual pessoas são pagas para cruzar a fronteira com as mercadorias em pequenos montantes.

A Receita coloca que mercadorias com destinação comercial não estão incluídos no conceito aduaneiro de bagagem e poderão ainda ser desembaraçados para entrar no País, de acordo com normas específicas. Ambulantes e camelôs brasileiros da região também fazem muamba com produto argentino. No entanto, estes se utilizam de “mulas” e transportam a mercadoria em pequenas partes, ou seja, “de uma malinha por vez”.


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Argentina vira novo Paraguai para sacoleiros brazucas