Você já ouviu falar dos grupos Rosa de Saron, Gattai ou Leões de Israel? Pois saiba que, mesmo sem tocarem na rádio, terem o suporte de uma grande gravadora ou aparecerem na televisão, esses e muitos outros artistas têm carreiras tão ou mais ativas que muitos queridinhos da mídia. Em seus nichos de atuação – seja surfistas e skatistas, católicos, emos ou evangélicos -, eles reúnem muitos fãs e possuem uma agenda lotada de apresentações, fechadas com meses de antecedência.

Em geral, essas bandas costumam ter um contato mais próximo com o público, estabelecendo uma relação baseada mais na afinidade com sua postura e filosofia de vida do que em mera admiração musical. No caso de artistas que investem em música religiosa, essa associação é ainda mais forte. É o caso dos roqueiros do Rosa de Saron, grupo formado em 1988 por Guilherme de Sá, Eduardo Faro, Rogério Feltrin e Grevão, tido como um fenômeno de popularidade entre os jovens do movimento Renovação Carismática, da Igreja Católica.

Com uma agenda de shows cheia – até agora, eles têm shows marcados até dezembro -, o Rosa de Saron garante sua popularidade não só pela identificação dos fãs com a filosofia pregada nas músicas. Um dos principais fatores de seu sucesso, de acordo com o baixista Feltrin, é a ambiguidade das letras, que não obrigatoriamente se referem a religião:  muitas letras, como no caso de Estar Com Você (“e você me aceita de volta/e me diz que nada mais importa/eu só quero estar de novo com você”), podem se referir tanto à relação de uma pessoa com Deus quanto com a namorada.

 “O público católico e evangélico é maioria em nossos shows, mas conseguimos também muito público de fora. Isso se dá porque a nossa abordagem é muito sutil, quase não falamos de religião”, diz o músico. A estratégia acaba sendo tão eficiente que as canções do grupo chegam até a tocar em rádios não-religiosas, como a paulista Transcontinental.  

Religião = sucesso?

Mesmo tocando basicamente para fãs do círculo de bandas cristãs e
evangélicas, a banda evangélica de rock Oficina G3 já tem vinte anos de carreira e seis álbuns,
além de uma histórica participação – a primeira no Brasil de uma banda
gospel em festival com bandas não-religiosas (ou, como os cristãos
dizem, seculares) – no Rock in Rio 3, em 2001.

Para Mauro Henrique, vocalista do grupo, uma banda cristã pode conseguir público fora de seu círculo de influência, principalmente se a abordagem da religião nas letras for menos ortodoxa. “A banda pode até ser cristã, mas o cristianismo não é uma religião, é um modo de vida. A gente não prega religião nenhuma. O que pregamos são os ensinamentos de Cristo, só isso”, afirma.

Mas, mesmo não pregando diretamente nenhuma religião em suas letras, tanto eles quanto o Rosa de Saron confirmam que fazem tanto sucesso entre os fãs pelo engajamento. “Muita gente fala de história de superação sim, de ter sido inspirado pela banda a mudar de vida”, afirma Feltrin. Mauro Henrique vai mais longe, dizendo que “muitas pessoas superaram a depressão e largaram as drogas depois de conhecer o nosso som”.

Em outro extremo, a banda de reggae Leões de Israel, que possui uma carreira bastante sólida entre os amantes do gênero imortalizado por Bob Marley, também atrai muitos fãs religiosos ou cristãos, mesmo não tendo nenhuma orientação religiosa específica. “O nome da banda, Leões de Israel, significa aqueles que lutam do lado de Deus. Mas não somos uma banda religiosa: achamos que cada um deve acreditar naquilo que bem entende. Nós acreditamos em Deus, mas isso não significa que a banda tenha uma filosofia específica”, diz o vocalista Márcio Killaman.

Otakus e gamers

Quem gosta de animês e mangas e curte cultura japonesa em geral com certeza já foi a algum evento como o AnimeCon ou o Anime Friends, que reúnem palestras, concursos de cosplays e apresentações de bandas. Normalmente, essas bandas tocam exatamente aquilo que o público especializado desses eventos quer ouvir: músicas de encerramento de animes e games, além de clássicos do J-Pop, estilo musical japonês voltado para o público jovem.

A banda Gattai é um dos grupos que tocam em eventos do gênero e, mesmo tendo que se restringir a um repertório bem específico, ganhou bastante destaque nesse cenário. Por outro lado, exatamente pelo mesmo motivo, enfrenta dificuldades para atingir um público mais diversificado.  “Enfrentamos certo preconceito porque cantamos em japonês. Daí, não importa se tocamos bem ou não, porque as pessoas de fora simplesmente não vão gostar”, diz André Felipe Santos, vocalista do Gattai.

Para ele, o nicho dos otakus – jovens fissurados em cultura japonesa – não é restrito e oferece potencialidades para quem quer experimentar vários gêneros. “Dentro dessas temáticas, dá para encontrar sons de heavy metal, rock, pop e até hip hop”, diz Santos, que faz uma ressalva: o público é muito exigente e vem mudando com a multiplicação de grandes festivais, como o Anime Friends. “A demanda por música própria está crescendo entre os fãs desses eventos. Por isso, não só o Gattai como diversas outras bandas estão começando a compor músicas, ao invés de apenas reproduzir material de outros grupos”, garante.

Shows e mais shows

Mesmo entre nichos mais amplos, como o do rock pesado, há bandas que conseguem encher a agenda de shows e excursionar o Brasil inteiro sem o menor apoio da mídia e da indústria musical. Para esse pessoal, o sucesso está em cair na estrada sem parar e ganhar o pão com a renda de suas apresentações. Esse é o caso do Dance of Days, que tem 12 anos de carreira, sete álbuns e um DVD, e mesmo assim só conta com a internet e os shows para divulgar seu trabalho. “Nunca tivemos contrato com gravadora nenhuma, mas mesmo assim hoje a gente consegue tirar nosso sustento só da banda”, afirma o vocalista Nenê Altro.

“O Dance of Days é totalmente baseado nessa coisa de pegar o carro e fazer shows. É assim que a gente consegue o nosso público, que lota todas as nossas apresentações. Já levamos mais de 11 mil pessoas para o Abril Pro Rock, por exemplo”. Segundo Altro, os fãs seguem a banda mesmo, e não apenas um som específico. “No começo a gente era mais hard rock, punk, e hoje estamos mais na pegada do rock alternativo. É uma coisa natural, a gente muda com o tempo. Mas os fãs continuam aí!”.

Nas praias e pistas de skate

O músico Carlinhos Zodi, surfista e skatista desde criança, entrou para o mundo da música aos 16 anos, sempre antenado com o pessoal das praias e das pistas. Em janeiro deste ano, divulgou seu segundo álbum, Mundo Mais Bonito, visando atingir esse público ao qual sempre pertenceu. “Viajei janeiro inteiro distribuindo 15 mil discos em mãos pelas praias e fazendo pocket shows por onde passava. Isso deu uma bombada na galera que gosta de praia”, afirmou. De acordo com ele, essa estratégia funcionou bem o suficiente para que, no momento, ele não se preocupe em encontrar uma gravadora para lançar seu trabalho.

O primeiro álbum de Carlinhos Zodi, o instrumental Projeto Música Bonita, foi trilha sonora do documentário The Reality of Bob Burnquist, do diretor Jamie Mosberg, que fala sobre a vida do skatista brasileiro, um dos maiores do mundo. Mesmo assim, ele acredita que a identificação com os surfistas vem naturalmente, mas, com os praticantes de skate, é quase acidental. “Não trabalho, não vou atrás, simplesmente acontece. Acho que pelo meu histórico e círculo de amizades”, explica.

Mesmo com sucesso restrito a dois grupos específicos, Zodi conta que sua música já chegou a público que ele sequer imaginava. “Já chegou um e-mail dizendo que uma comunidade que vive no pé de umas montanhas lá em Santa Catarina estava falando que eu era o porta-voz do momento atual…”, diverte-se.

“Mas acho que há músicas que vão ficar sempre em um segmento e outras que acabam se expandindo. O Jack Johnson foi um exemplo extremo disso. O cara sonorizava os filmes de surf que fazia com algumas músicas próprias e, em pouco tempo, virou essa lenda que todo mundo conhece”, filosofa. “No fim das contas, acho muito bom a música ter uma identidade própria e ficar segmentada. É o que cria a identidade de diferentes nichos e leva à evolução de estilos específicos”.


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