É um soco no estômago assistir aos filmes Mataram Irmã Dorothy e A Era da Estupidez na sequência, mas o fiz ontem, terça-feira, no espaço Matilha Cultura, região central de São Paulo. O primeiro, um documentário sobre os bastidores do julgamento dos acusados pelo assassinato da missionária, morta em fevereiro de 2005 muito provavelmente como retaliação por sua luta contra o desmatamento na Amazônia. O segundo, uma documentário misturado com ficção ambientado no ano de 2055 e que questiona a humanidade por não ter agido, enquanto ainda havia tempo, para conter o aquecimento global e as anunciadas catástrofes naturais.

A missionária americana naturalizada brasileira, Dorothy Stang, por mais de 30 anos lutou para ver consolidado o Plano de Desenvolvimento Sustentável na floresta amazônica. O modelo prioriza a ocupação equilibrada da região por pequenos agricultores familiares como forma de evitar a destruição da floresta. Desnecessário dizer que o sistema contrariava, e ainda contraria, os interesses dos grandes fazendeiros e madeireiros, muitos dos quais ocuparam a terra ilegalmente e lucram com a criação de gado em áreas de desmatamento.

O documentário, dirigido por Daniel Junge, também mostra a luta do irmão de Dorothy que vem ao Brasil acompanhar os julgamentos e passa a pressionar Brasília para que dê atenção ao processo. Um dos pontos que merece destaque é a recusa do Supremo Tribunal Federal (STF) em federalizar o caso e a hesitação do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos em se envolver diretamente com a história.

Questões jurídicas a parte e independentemente dos mandantes do crime estarem presos ou não – só para constar, os fazendeiros suspeitos estão em liberdade e os pistoleiros praticamente assumiram a culpa sozinhos mesmo após várias mudanças nos depoimentos– o documentário, e as manchetes nos jornais País a dentro, mostra que a morte da missionária é somente mais um exemplo do que acontece na região.

Assim, quando Brasília, seja o governo federal ou o STF, não se envolve diretamente no caso, a mensagem que fica, e que foi explorada no documentário, é de indiferença ao que acontece diariamente na região amazônica: a luta sangrenta pela terra enquanto a floresta é destruída sem a menor preocupação com as consequências ambientais. E é aqui que Era da Estupidez pode ser uma sequência temática de Mataram Irmã Dorothy.

É consenso entre a comunidade científica internacional que a poluição do ar causada pela atividade humana é responsável pelo processo de aquecimento global e que precisamos reduzir, drasticamente e urgentemente, nossas emissões de CO2 (um dos principais gases causadores de efeito estufa) para evitar o colapso da natureza. Sabendo que 80% das emissões brasileiras estão ligadas ao desmatamento, principalmente na floresta amazônica, fica difícil explicar como uma pessoa como Dorothy, que lutou contra a destruição da floresta, possa ser morta sem que a situação mude. Como a Era da Estupidez mostra, não estamos fazendo o suficiente para mudar essa situação mesmo sabendo das consequências potencialmente catastróficas.

Com direção de Franny Armstrong e trilha de Tom Yorke (Radiohead), o documentário-ficção faz um arranjo de diversas imagens reais de arquivo. O personagem principal, vivido pelo ator Pete Postlewaite, é um guardião do conhecimento humano- armazenado em milhares de computadores – e vive sozinho em uma gigantesca torre construída no Ártico, sem gelo é claro, num mundo onde a população foi dizimada por sucessivas secas, enchentes e outras catástrofes naturais. Ele assiste a imagens “antigas”, do começo dos anos 2000, quando já era evidente que o processo de mudança climática estava em curso. Não consegue entender que, apesar da consciência de que aquilo estava acontecendo, a humanidade continuou a viver, a consumir e a poluir como se nada fosse acontecer.

Copenhague logo alí

Não é preciso um documentário sobre Dorothy nem um filme como A Era da Estupidez para sabermos o que está acontecendo. Diante de tanta evidência, não consigo deixar de enxergar como hipocrisia quando, no mês passado, o presidente Lula, sua ministra preferida para sucedê-lo, Dilma Roussef, e o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, subiram ao palanque para comemorar o menor índice histórico de desmatamento na Amazônia poucos dias depois de anunciarem uma meta de redução de emissões de menos de 40% para ser apresentada durante a conferência da ONU sobre o clima, que acontece semana que vem em Copenhague.

O governo Lula, ou seja qual for o próximo presidente, terá que atacar a questão da destruição da floresta como nunca antes se fez na história deste País. Não adianta comemorar redução no desmatamento quando os índices ainda são alarmantes e quando Irmãs Dorothys continuam sendo assassinadas. Se continuar assim, A Era da Estupidez infelizmente vai acabar se concretizando por completo.


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Resenha dos documentários Mataram Irmã Dorothy e A Era da Estupidez