Há 14 semanas na lista dos livros mais vendidos de não-ficção da revista Veja, Honoráveis Bandidos – Um retrato do Brasil na era Sarney (Geração Editoral, 208 páginas), do jornalista Palmério Dória, revela a teia de relações que sustenta o poder político de José Sarney e sua família. Presidente da República por acaso, o patriarca Sarney estabeleceu ao longo de quatro décadas uma extensa rede de influências e favorecimentos cravada no Maranhão, ampliada ao longo do tempo para o Senado, onde cumpre seu quinto mandato parlamentar.

Diante desse figurão, o paraense Palmério Dória não se intimidou e, após anos de investigação, trouxe à tona inúmeras revelações. Em contato com o portal Virgula, Dória conversou sobre as motivações que o fizeram destrinchar o funcionamento do clã Sarney, além de dar alguns pitacos sobre corrupção e política nacional. E adianta que já está trabalhando em um novo livro. Confira:

Virgula: Quando passou a se interessar pela família Sarney?

Palmério Dória: Na época do jornal O Nacional, quando eu era diretor de redação. O prato principal desse jornal era o José Sarney. Era o início da era Sarney, época do começo da escuridão no fim do túnel. Mas, passado um bom tempo, em 2002, Sarney tentou emplacar a filha para uma candidatura à presidência da República em uma chapa alavancada pelo PFL. Depois do trágico governo de Sarney, a gente imaginava que um político maranhense não voltaria ao cenário nem depois de 100 anos. Mas a filha de Sarney, como invenção de seu pai, surgia com chances reais de conquistar a eleição. As pesquisas de opinião mostravam que ela aparecia como um rojão. O Nizan Guanaes era o responsável pela criação da imagem dela, que era confeccionada como um verdadeiro Collor de Saias. Então, o desastre estava evidente. Naquele momento eu senti que a imprensa de uma maneira geral estava a fim de contar essa história. Foi então que eu fui enviado para o Maranhão para levantar as conexões tortuosas da família. E ali eu pude verificar que o estado era governado no escritório de Roseana e de seu marido, Jorge Murad, em uma empresa chamada Lumus, uma verdadeira Arca de Noé que conectava várias empresas que lidavam com paraisos fiscais, tráfico de influência e o diabo. Então eu escrevi uma matéria para a revista Caros Amigos dizendo que para saber onde o estado era governado bastava passar na avenida tal, número tal, que era onde ficava a Lumus. Por coincidência, uma semana depois, houve a operação da Polícia Federal dentro da Lumus que pegou R$ 1,3 milhão, dinheiro que acabou por afogar a candidatura.

Virgula: A família Sarney sabia de sua investigação, certo? O senhor chegou a ser ameaçado?

Palmério Dória: Nunca houve ameaça. Durante a apuração eu não escondi nada de ninguém. Nunca foi um trabalho secreto. Eles sabiam, mas também não houve nenhum tipo de interferência e procurei não fazer nenhuma publicidade sobre o trabalho que fazia. Inclusive, pessoas muito próximas da família sabiam o que eu estava fazendo. Só elas poderiam ter me contado determinadas informações.

Virgula: O senhor teve problemas durante o lançamento do livro no Maranhão. O que aconteceu?

Palmério Dória: Sim, foi um lançamento espetacular. O secretário de esportes, a mando da Roseana e apadrinhado pela família Murad, convocou um grupo de estudantes aprendizes de jagunço. Eles foram até o Sindicatos dos Bancários, onde aconteceu o lançamento, para gritar palavras de ordem para os presentes e também tentaram me agredir. O dia ficou conhecido no Maranhão como “A grande noite das cadeiradas”. Eles me jogaram de tudo. As pessoas falam em pancadaria, mas o que houve de fato foi uma agressão. Tudo isso se tornou público e foi instaurado um boletim de ocorrência. Mas é evidente que isso não vai dar em nada.

Virgula: Nos últimos anos, Sarney conseguiu recolocar a filha no governo do Maranhão, apesar da derrota no pleito, foi eleito presidente do Senado, segurou o mandato de Renan Calheiros…Como explicar tamanha influência?

Palmério Dória: Bom, o Jackson Lago foi deposto. Isso só acontece numa “República de Bananas”. O Sarney mostrou toda a força ao conseguir colocar filha no governo estadual e ser eleito pela terceira vez o presidente do Senado. Entre outras coisas, ele conseguiu depor um governador legitimamente eleito e fugir de um processo de renúncia. Isso só mostrou a força que ele tem diante da Máfia de Beca [em alusão ao Poder Judiciário] que manda e desmanda nesse país. Infelizmente, não existe nenhuma luz no final do túnel. Uma das primeiras providências do Lula quando voltou de férias foi se encontrar com o Sarney e com o Renan Calheiros. Aliás, o Sarney deve a sua eleição ao Renan. E o Renan deve a sua não-cassação ao Sarney. São dois honoráveis bandidos. Aliás, o elenco é incrível. Daria pra fazer Honoráveis Bandidos 1, 2, 3, 4, 5…o próprio livro não fecha apenas no Sarney. Desfilam honoráveis à vontade. Tem o Michel Temer, o Eduardo Cunha, tem o Edison Lobão…tem um elenco que não acaba, de primeiríssima….ou de última.

Virgula: O senador José Sarney já definiu seu sucessor político? Qual de seus filhos deve assumir o bastão do pai?

Palmério Dória: Os filhos do Sarney são medíocres. Eu acho que a força do Sarney vai morrer com ele. Digamos que o mais credenciado a assumir o bastão dele é o Edison Lobão, que também tem um filho com apetite incrível, que é o Edinho Lobão. A família Lobão certamente vai entrar em conflito com a Jorge Murad, marido da Roseana, já que os dois atacam na mesma área. O Lobão é um cara frio. Até hoje só o Lobão não traiu o Sarney. Por isso ele está no Ministério de Minas e Energia, que o lugar onde a família Sarney mais fatura. Mas certamente ele não vai querer ser apenas a sombra quando o Sarney morrer. Ele vai querer seu lugar ao sol.

Virgula: Qual a relação de Sarney e do presidente Lula? O que podemos projetar para a Eleição deste ano?

Palmério Dória: Sarney era um dos principais conselheiros do Lula. Lula sempre ouviu muito o Sarney, assim como ouve muito o Delfim Netto. Depois da crise e dos escândalos do Senado no ano passado, o Sarney deixou de ser conselheiro do Lula. Mas depois o Lula deixou muito clara a posição pró-Sarney em função da governabilidade. E essa relação voltou a ser próxima. Haja vista que quando começou o ano, quem foi a primeira pessoa que o Lula foi conversar? O Sarney, é claro. Do outro lado, a oposição está perdida e o candidato Serra está muito relutante. Se a gente imaginar o Sarney dançando cancan, ele é o dançarino que tem a maior saia e que lidera a turma, especialmente seus companheiros do PMDB.

Virgula: Nesse cenário corrompido, há possibilidades de mudanças?

Palmério Dória: Moralmente não há possibilidade de mudança. A robalheira virou banalidade. Nada se compara com o que houve no governo FHC, na chamada privataria, quando seus piratas venderam a Vale e privatizaram as telefônicas. Então, em escala de roubo o governo Lula até hoje fica devendo em comparação com a robalheira de FHC. Por outro lado, os ladrões ficaram mais ousados. O Congresso e as Assembleias Estaduais parecem ter adquirido uma senha de que é permitido roubar, que o roubo é livre. Você vê o Dantas? Ele está livre. Essa turma da Máfia de Beca livrou ele das condenações. A impunidade não tem fim. E as pessoas corretas se sentem babacas e impotentes diante disso tudo.

Virgula: O que mudou na política atual em comparação com a política de décadas atrás?

Palmério Dória: Você vê, há anos, no governo do tempo Getúlio, o chefe da guarda, o Gregório Fortunato, tinha um mercadinho em Copacabana. Aquilo quando foi descoberto virou um escândalo nacional. É bem verdade que teve o caso do assassinato do Lacerda, mas em termos de roubalheira esse caso do mercadinho foi amplamente repercutido. Você vê o Getúlio? Ele mesmo era um homem pobre. Tinha uma fazendola no RGS. Depois que ele deixou a presidência, abriram o guarda roupas dele e viram que ele tinha três ternos. Hoje os políticos brasileiros mostram que são insaciáveis. Em Brasília, há 500 milhões em jogo. A promiscuidade entre público e privado é total. Em uma licitação, a comissão que era de 2%, 3% ou 5% na época da Ditadura, hoje é de 30% ou mais.

Virgula: Sobre seus futuros projetos, já tem algum outro livro em mente?

Palmério Dória: Eu estou trabalhando no próximo livro. Mas essas coisas a gente tem que ir tocando sem fazer barulho até encontrar o tempo certo para lançar. Evidentemente que depois desse livro o próximo tema continuará na área da política, mas prefiro não revelar detalhes.

Virgula: Honoráveis Bandidos está há alguns meses entre os livros mais vendidos. Como você explica esse sucesso?

Palmério Dória: Há mais de quatro meses os brasileiros estão homenageando o Sarney ao comprar o livro. O livro tem um balanço e ao menos uma explicação de como ele se mantém e como ele exerce o poder. É impossível não ter curiosidade por uma figura dessas.


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Palmério Dória, autor de Honoráveis Bandidos, fala sobre como se interessou por investigar Sarney