Uma equipe internacional de cientistas reconstruiu pela primeira vez os epigenomas de dois hominídeos primitivos (um neandertal e um denisovano) e os comparou com os dos humanos modernos, um passo fundamental para entender como evoluímos até nos tornarmos o que somos hoje.

O epigenoma são as pequenas variações genéticas que, sem mutar ou modificar a estrutura dos genes, modulam sutilmente sua atividade. O estudo comprovou que, embora os hominídeos primitivos e nós tenhamos os mesmos genes, nosso epigenoma é diferente.

Conhecer bem os mecanismos que regem essas pequenas alterações é importante para o estudo da evolução humana, já que para alguns hominídeos representaram a extinção e, para nós, o êxito evolutivo.

Embora esse êxito tenha sido resultado de uma maior capacidade de se adaptar a um ambiente hostil, mudanças favoráveis no epigenoma podem favorecer a adaptação do indivíduo a um meio difícil.

A pesquisa, publicada nesta quinta (17) na revista “Science”, foi coordenada por Liran Carmel, da Universidade de Jerusalém. Em fevereiro, pesquisadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva da Alemanha sequenciaram pela primeira vez o genoma completo de um neandertal, obtido graças ao osso do pé de um indivíduo que viveu há 50 mil anos. Meses antes, a mesma equipe tinha descrito o genoma de um denisovano, um grupo de humanos primitivos originário da Sibéria.

Agora, graças a uma técnica inédita e baseada em algoritmos matemáticos, os pesquisadores foram um passo além e reconstruíram o epigenoma de ambos os indivíduos, oferecendo assim “uma visão mais completa” do genoma dessas espécies primitivas, disse um dos participantes do estudo, Mario Fernández Fraga, do Centro Nacional de Biotecnologia do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (CSIC-CNB), em entrevista à Agência Efe.

“Um dos fatores epigenéticos melhor conhecidos é a metilação do DNA’, um processo que controla quando e como são ativados e desativados os genes que controlam o desenvolvimento de nosso organismo e que podem ser afetados por causas ambientais”, explicou.

Como todas nossas células “têm os mesmos genes, tanto faz que sejam células nervosas ou do pelo”, mas o que as diferencia são os mecanismos epigenéticos, os que fazem “que alguns genes estejam ativos numas e bloqueados em outras e fazem com que essas células tenham uma função ou outra”, especificou José Antonio Riancho, professor da Universidade de Cantabria e do Instituto de Pesquisa Valdecilla, da Espanha, também participante do projeto.

Estes mecanismos epigenéticos não só ocorrem entre células de um mesmo organismo, mas também entre espécies diferentes, e isso é o que comparamos neste estudo”, acrescentou.

Os resultados obtidos na análise dos ossos dessas duas espécies e que se compararam com os de homens atuais mostram que uma série de genes estão “modulados de forma diferente nas espécies primitivas e na nossa”, explicou Riancho.

“Alguns desses genes estão relacionados, por exemplo, com a forma do esqueleto, o que explicaria por que eles tinham ossos mais fortes, largos e curtos em relação ao nosso esqueleto, que é muito mais frágil”, destacou.

No entanto, outras diferenças observadas se referem a genes relacionados com o sistema cardiovascular ou o nervoso, e estão associados a doenças como o Alzheimer ou a esquizofrenia.

“Não sabemos se estes homens tinham estas doenças, entre outras coisas porque viviam menos tempo”, mas “o que vimos é que nele a regulação dos genes destas doenças era diferente da nossa”, disse Riancho.

A descoberta traz uma “interessante e ao mesmo tempo preocupante questão: saber se estes transtornos tão frequentes na sociedade atual são consequência de nossa forma de vida e do nosso entorno ou são uma característica inerente a nossa espécie”, acrescentou.

Além disso, o estudo “abre uma nova via de investigação” porque o método informático utilizado permitirá estudar o DNA de outros indivíduos e espécies extintas e “sequenciar outras amostras para determinar seus epigenomas”, frisou Fraga.


int(1)

Epigenoma de dois hominídeos pré-históricos é reconstruído pela 1ª vez