Quem passa pela ponte de madeira da rua Mário Faustino, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, se pergunta o que fazem ali, dezenas de jacarés-do-papo-amarelo, às margens de um canal poluído da lagoa Marapendi.

Chico, dentro da água, apenas com os olhos e parte do corpo emergidos, deve se perguntar a mesma coisa, só que a respeito dos humanos. Chico é como Jorge Luiz dos Santos, 52, corretor de imóveis e ambientalista autodidata, chama a todos os jacarés. Há três anos, uma vez por semana, ou no máximo a cada 15 dias, ele alimenta os bichos com restos de peixes.

Mas dentro do espírito non-sense que permeia a alma carioca, todos são Chicos, mas há “o” Chico, indivíduo de três metros que Jorge supõe ser o líder da turma e ter 50 anos, dentro de uma expectativa de vida que varia entre 60 e 65 anos. Jorge, um ex-morador do Recreio, diz que começou a fazer o trabalho por se preocupar com as pessoas que passam por ali. 

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Ele afirma também que pesquisadores, biólogos das universidades estadual e federal, estudam como aqueles animais sobrevivem no meio do esgoto e que são 900 catalogados dentro do Parque Ecológico Chico Mendes, onde a área está compreendida, e cujo nome inspirou o “batismo” dos Chicos.

“Quando eu chamo eles vêm, atendem. Porque eles estão todos famintos. Eles sabem que só eu faço isso por eles. Então, associam minha voz à comida”, afirma Jorge, após tê-los alimentando com cabeças de sardinha e restos de peixe que conseguiu a título de doação na banca Jorge Caburé e outras peixarias do Posto 12, no Pontal Oceânico.

“Anchova, guaibina, cavala, cação, pescada, bonito, olho de cão, serra, garoupa, badejo, linguado, namorado…”, enumera Jorge Cordeiro de Souza, 50, pescador que trabalha na banca, sobre os peixes que há algumas décadas “pulavam” nas canoas e jangadas dos pescadores da área e que agora são pescados em alto mar, em um cenário dominado pela pesca industrial e pela, mais uma vez, degradação ambiental. “O peixe vai tomando distância por causa da poluição. Quanto mais longe, mais caro o peixe fica”, afirma Jorge Luiz Curty, 45, o dono da banca.

Mas os Chicos não fazem grandes exigências, as cabeças de sardinha são disputadas. “Eles comem cocô”, resume a psicóloga Sylvia Barach, 60, que passava pela ponte. Articulada, ela defende que os moradores se unam contra a degradação ambiental. “Por favor, não jogue mais esgoto nas casas dos animais”, ela diz ser seu mote.

“Depois dos protestos, as manifestações nos deram um ímpeto para que nós mesmo organizemos reivindicações necessárias. Nós aqui queremos processar a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos). Porque ela nos cobra impostos e ao invés de criar sistemas modernos, fossas digestoras, para livrar-nos dos esgotos, ainda usam métodos seculares, da Roma antiga, de furar o solo e contaminar as águas, atrapalhar os processos da natureza”, afirma Sylvia. Recentemente, a psicóloga leu um livro que relaciona questão ambiental e urbanismo, Cidades para Todos, de Cecilia Herzog (editora Maud), que ela indica fervorosamente.

“O pessoal aqui do Recreio, que mora aqui nesse lugar, precisa se organizar para processar a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) por estar poluindo os lençóis freáticos, por estar nos cobrando um serviço que não esgota nada, apenas polui a lagoa, leva tudo para a lagoa. De modo que nós temos que nos reunir para fazer uma lei de iniciativa, que nem a da Ficha Limpa, fazer uma de Cidade Limpa também”, propõe.

Carioca, nascido em Bento Ribeiro, bairro onde já moraram ilustres como a gaúcha Xuxa Meneghel e Ronaldo Fenômeno, Jorge conta ter se inspirado na avó Emengarda para se tornar um defensor dos animais. O corretor pretende criar uma ONG (Organização Não-Governamental) para salvar os jacarés e a lagoa Marapendi.

“A intenção maior é fechar os esgotos e abrir o curso da água do mar para banhar a lagoa. Só desta maneira vamos ter uma lagoa viva, sem ter problemas de animais morrendo e com mais qualidade de vida para todos”, defende. Jorge espera ter apoio do Ministério do Meio Ambiente. Sobre os jacarés, ele diz que uma opção emergencial seria tirá-los de onde estão levá-los para um lugar adequado.

Enquanto os répteis de aparência pré-histórica se engalfinham embaixo de nós pelo que sobrou dos peixes, a produtora Jussara Mendanha, 55 anos, se admira com os bichos, geralmente imóveis como estátua para não gastar energia, e se engaja: “Eu queria ser a Brigitte Bardot dos jacarés”.


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Homem alimenta jacarés que vivem no meio do esgoto no Rio Janeiro