Fernando Pires: 30 anos arquitetando sapatos


Créditos: Divulgação

O que Madonna, Lady Gaga, Claudia Raia e Sabrina Sato têm em comum? Sapatos de levantar a moral e fazer o queixo cair criados pelo brasileiro Fernando Pires. Aos 60 anos de idade, o designer dedicou 30 deles a criar peças exuberantes e de saltos vertiginosos, que elevam o patamar da alma feminina. E não é à toa que ele é conhecido como “Arquiteto dos Pés”.

Diplomado em arquitetura, Fernando chegou a exercer a profissão por alguns anos, mas trocou o cimento e concreto em 1982. Viu seu destino mudar quando uma cliente pediu que ele criasse, além da casa dela, um sapato. O que começou como uma brincadeira se tornou um negócio que hoje emprega 19 artesãos que confeccionam à mão os sapatos com status de obra de arte criados pelo estilista.

Em entrevista ao Virgula Lifestyle, Fernando falou sobre sua trajetória, a relação com o feminino e com as celebridades que veste e a importância da sedução nas suas criações.

Veja abaixo o papo e, na galeria acima, imagens de momentos históricos da carreira do estilista.

 

 

Virgula Lifestyle: Porque você resolveu criar sapatos e não roupas?

Fernando Pires:  Antes de começar a brincar como sapateiro eu não tinha nenhuma relação com o meio. Acredito que a gente está predestinado a alguma coisa nessa vida. No momento que comecei a brincar disso era como se tivesse encontrado “o” rumo. Originalmente sou arquiteto e uma cliente minha dessa época é que me pediu para desenhar um sapato para ela. A coisa começou de brincadeira e, quando percebi, estava completamente possuído e aqui estou apaixonado pelo que faço há 30 anos.

E quando você abandonou a arquitetura para se dedicar exclusivamente a fazer sapatos?

Na verdade não houve um abandono. Consigo ver arquitetura nos meus sapatos. Eles têm um design de sedução. Muita gente me chama de “arquiteto dos pés”. Você vai projetando o calçado para abrigar os pés e os desejos das donas desses pés. A coisa foi indo e se multiplicando. Mas sem a menor pretensão de me tornar alguém que fizesse sapatos que agradariam a maioria das mulheres. Mas tive alguns toques da vida.

Quando criança, morei ao lado de uma fabriqueta de sapatos. Eu brincava no local com os filhos do artesão dono do lugar. Este foi meu primeiro toque, aos 7 anos. Com 14, lembro que queria dar um presente para minha mãe e não sabia o que fazer. Fui num sapateiro da esquina de casa e pedi para ele fazer um tamanco para ela. Comprei os materiais todos e ele fez a peça do jeito que pedi. De repente, quando tinha 28, uma cliente a qual tinha acabado de fazer a construção da casa dela me convidou para “brincar” de fazer sapatos. Convidei este mesmo sapateiro que conheci aos 14 para começar a confeccionar minhas criações. A coisa começou a crescer e montei um fabriquinha nos fundos da casa da minha avó. Na época, essa marca se chamava “Ponto de Apoio” e durou 7 anos. Após isso, pensei em retornar para a arquitetura pois não queria seguir sozinho. Mas os clientes pediram para não parar. Daí, meti as caras e lancei a marca com meu nome.

Quando você começou a fazer sapatos para artistas?

Isso começou no fim de 1989, quando um amigo meu me convidou para fazer os sapatos de uma peça da Irene Ravache e Regina Braga chamada “Uma Relação Tão Delicada”. Elas foram as primeiras atrizes que vesti. Daí, foi uma sequência natural onde muitas produtoras de teatro me pediram para criar peças.

Em 1990, foi a vez da Marília Pêra, já usava meus sapatos no teatro. Ela foi ao programa da Hebe usando uma criação minha. A Hebe se encantou e perguntou ao vivo no programa quem tinha assinado aqueles sapatos. Foi a primeira vez que alguém disse para o Brasil da existência da minha marca. Daí, fiz para a Hebe uma versão em dourado do sapato da Marília, que era um scarpin preto com uma aplicação em couro amarelo com todo os skyline de Nova Iorque, os prédios, arranha-céus e a Estátua da Liberdade. E aí começou nossa amizade e parceria.

E como começou sua parceria com a Claudia Raia?

Em 1991, a Claudia Raia viu meus sapatos num espetáculo, gostou e pegou meu telefone. Quando ela estava em São Paulo, pediu para me buscar para nos conhecermos e eu a encontrei no camarim do teatro. Imagina abrir a porta e dar de cara com aquela mulher com um roupão branco, 3 metros de altura e com uma toalha na cabeça para ficar ainda mais alta. Ela virou para mim e disse com aquela voz dela: “Que talento!”. Eu apenas tremia, que nem uma vara verde.  Eu já era fã dela. Sem contar que, naquela época, ela já era a maior “sapatomaníaca” do Brasil. Calçar a Claudia Raia para mim foi o segundo grande momento de muita emoção da minha carreira. O primeiro foi Hebe Camargo, depois Claudia e, em terceiro, Madonna. 

Como você chegou até a Madonna?

Eu já era fissurado por ela e queria muito presenteá-la com uma criação minha. Quando Madonna veio ao Brasil pela primeira vez, em 1993, fui numa festa em São Paulo que fizeram para ela numa boate. Claro, ela não saiu do hotel, mas o irmão dela, o Christopher, estava no local. Conversei com ele, que combinou de ir na minha loja no dia seguinte. Achei que o Christopher não estava falando sério. Pois ele apareceu no dia seguinte lá e selecionou uma sandália em especial que eu não tinha separado (entre aquelas que eu daria para ela). E foi exatamente a sandália que ela usou para ir jantar no dia seguinte no Rio de Janeiro. Quando eu vi a foto no jornal, quase morri! Depois disso, fiquei fazendo a “sandália da Madonna” durante um ano. Todas as mulheres queriam!

O que te inspira na hora de criar?

A inspiração não aparece todos os dias. Costumo dizer que a gente não é nada aqui na Terra, neste plano. Somos apenas um veículo e, lá em cima, o criador desenha para mim e aí eu faço o Chico Xavier aqui e vou recebendo. 

Você é religioso?

Sou católico apostólico romano desde que nasci. Mas andei enveredando pela Cabala por causa da Madonna. Quando vi um show dela em 2004, em Nova Iorque, no qual o cenário tinha umas letras em hebraico, fui atrás para descobrir o que era aquilo. Cheguei em São Paulo e fiz um curso sobre e acabei estudando por dois anos. Minha religião é essa mistura. Um pouco do católico, mais a ciência da Cabala e frequento o Johrei Center, da igreja Messiânica, que tem essa coisa de mexer com energias. 

Qual sua relação com o feminino?

Todo mundo diz que tenho a alma femina porque consigo entrar no âmago desse ser e entender seus desejos. Minhas clientes dizem que consigo passar para os sapatos tudo aquilo que elas sonham e fantasiam. Então, trabalhar fora desta palavra não está no meu dicionário. Sedução é o mais importante na hora de fazer um sapato. Se depois de pronto eu olhar para ele e não tiver nada de sedutor ele vai ser incinerado. 

Quem são as musas que você nunca conseguiu calçar?

Com certeza a Carmen Miranda. Ela é uma inspiração eterna. A Marilyn Monroe seria outra.

Qual o perfil das suas clientes?

É uma cliente que sabe o valor de um sapato exclusivo. Produzo muito pouco de cada modelo que crio. É um sapato de qualidade, feito à mão. É essa mulher que dá valor a um sapato com sensualidade. Minha memória de moda vem dos anos 70, por isso adoro colocar plataformas nos meus sapatos. Mas, mesmo assim consigo deixá-los super femininos e leves.

Qual o valor mínimo de um sapato Fernando Pires?

Entre R$ 600 a R$ 5.500. Os mais caros são cobertos por cristais colados um a um. Mas, o mais caro que já fiz foi uma bota que a Gracyanne Barbosa usou no carnaval de 2012, que custou R$ 15 mil. 

Quantos modelos de sapatos você já criou nestes 30 anos de carreira?

Cerca de uns 4.300 modelos, mas não sei calcular quantos sapatos já fabriquei na vida.

E quantos sapatos você tem no seu armário?

Uns 200 talvez e todos criados por mim. O único sapato “estranho no ninho” é um Prada que comprei em 2001. Mas não uso porque me machuca.  

Como você resume esses 30 anos de carreira?

Estou vivo, não ganhei dinheiro. Mas foram 30 anos de prazer. De ver o retorno no olhar da cliente, as pessoas falando bem e escutando histórias de como um simples sapato fez bem à vida das pessoas. Deixar as mulheres seguras poderosas. Escuto cada depoimento que não tem dinheiro que pague esse tipo de gratidão.

Esqueci de crescer em termos de negócios nesses 30 anos, fiquei pequeno o tempo todo como marca. Talvez, já tenha passado até da época de expandir, porque apareceram várias marcas de sapatos nesse meio tempo com investimento grande  e que fazem sapatos mais baratos do que os meus. Porém eles são descartáveis. Chega uma hora que a exclusividade pesa no bolso. A maioria pensa assim, apesar de ter desejo de ter meu sapato.

 


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"Não ganhei dinheiro, mas foram 30 anos de prazer", declara Fernando Pires sobre carreira

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