“A música me salva de mim”: Kell Smith fala sobre música, saúde mental e política

Kell Smith é conhecida do grande público por hits como “Era Uma Vez” e “Seja Gentil”. Vestindo a camisa da importância da saúde mental durante toda a sua carreira, a cantora agora lança “Vivendo”, em parceria com Padre Fábio de Melo.

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Em conversa exclusiva com o Virgula, Kell falou um pouco sobre a nova faixa – que foi escrita durante um momento confuso de sua vida. Além disso, a cantora  revelou a vontade de dividir o palco com Ney Matogrosso, falou sobre as movimentações políticas que vêm acontecendo no Brasil e o posicionamento do artista em meio à tudo isso.

O que te motivou a escrever “Vivendo”?

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Bom, eu estava em um dia em que tudo estava dando errado. Tudo, sem exagero! E eu comecei a fazer parte daquele caos, sabe? Porque as coisas não estavam dando certo e a gente não se toca que não tem controle de tudo…E, no ápice desse caos, eu decidi parar tudo e falei para minha produtora preparar um lugar porque eu ia compor. Porque, se não estava dando nada certo, então não era para eu fazer aquela coisa naquele dia, né? Então, eu quis compor, quis expressar de alguma forma o que eu estava sentindo. Só que eu não sentia que era o suficiente somente o que eu estava sentindo para escrever a música, entende? Não era inspiração o suficiente para mim…. Porque eram muitas coisas, muitas perguntas e poucas respostas, então eu não conseguia me ligar sobre como fazer isso. E, aí, fui para o lugar melhor para se buscar inspiração, com meus fãs. Então eu fui para os meus directs no Instagram e comecei a ver o que as pessoas estavam me mandando. Naquele dia, eu percebi uma conexão muito forte [com os fãs], porque eles estavam me perguntando mais do que me contando coisas. E era exatamente assim que eu me sentia! Com mais perguntas do que respostas. E foi essa a inspiração de “Vivendo”, sabe? O que nos une – mesmo que seja o sofrimento… Mas é sobre o que nos une, não o que nos separa. E quais são essas perguntas que nos unem? A letra da música fala sobre isso, como que a gente faz para se manter em meio ao caos, como manter a esperança mesmo sem ver o final? Vivendo, é a única forma!

Você fala um pouco sobre as mensagens que recebe nas redes sociais. Como você lida com esse contato próximo com fãs, haters, toda essa dinâmica da internet?

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Olha, não é fácil, né? Porque não é intuitivo. A gente caiu no mundo da internet sem saber se defender de tudo isso, né? E se já é tão difícil para nós lidar com a aceitação das pessoas na nossa vida presencial – onde a galera se limita mais sobre como vai se expressar – imagina na internet, em que ninguém pensa muito sobre como vai dizer as coisas? Ainda é visto como uma terra sem lei, né? Apesar da gente já estar evoluindo neste quesito, ainda é visto muito dessa forma.

Então, eu procuro lidar da maneira mais humana possível porque, sinceramente, eu já fui um hater da internet, eu já fui uma pessoa meio horrível e que dizia coisas sem saber o quanto isso poderia machucar os outros, sabe? Que achava melhor ter razão do que ter paz…Então, quando eu recebo algum tipo de hate, eu fico imaginando que, se não desistiram de mim, eu também não posso desistir deles. Daí eu converso numa boa com a pessoa porque talvez ela saque o que eu saquei, que como a gente trata as pessoas diz mais respeito a nós que aos outros.

A música traz uma mensagem forte sobre seguir a vida. Foi proposital lançar a música em setembro? O que o Setembro Amarelo representa para você?

Foi, sim! O Setembro Amarelo representa muito para mim, representa a minha maior bandeira. Desde o início da minha carreira, saúde mental é meu assunto preferido e acho que é um dos mais urgentes para a gente falar. Em 2020, eu lancei um álbum [“O Velho e Bom Novo”] que fala quase que totalmente sobre saúde mental, mas desde “Era Uma Vez” eu venho tentando promover de alguma forma essas reflexões, sabe?

Porque a arte é muito ampla, né, cara? As coisas são muito subjetivas, muito amplas, existe espaço para todo mundo, para todo o tipo de música, representação artística, mas eu opto por dividir coisas que eu espero que façam diferença [na vida das pessoas], que sejam essenciais…É sobre dividir mesmo. Eu procuro fazer isso com a minha arte e Setembro [Amarelo] é uma data especial porque eu não me contento em falar de saúde mental apenas em setembro, mas, como é um mês de visibilidade sobre esse assunto, eu acho muito bonito que a gente tenha essa porta de entrada maior, né? Às vezes, fora do Setembro Amarelo, fica difícil falar sobre isso porque parece que é um assunto pesado, sabe? E é loucura a gente pensar isso! É uma questão de saúde, é muito importante para nós termos saúde mental e falarmos sobre isso… Então esse mês é muito importante para mim.

Você já disse antes que tem problemas com ansiedade e crises de pânico. A arte te ajuda a lidar com isso?

Com certeza! Talvez a maneira mais organicamente eficaz de lidar com isso, porque a arte me salva de mim, sabe? Ela não só me salva do mundo, mas também me salva de mim mesma, que sou o meu pior inimigo.

A música “Seja Gentil”, por exemplo, foi composta depois de uma crise de ansiedade. Foi uma tentativa minha de me convencer, sabe? De me tratar com essa mensagem…Porque as vezes a gente precisa se tratar, né? Porque é tão difícil, a gente se cobra tanto e a gente não percebe que, às vezes, a gente tem que se segurar pela mão e ser a sua amiga! Dizer “Cara, pega leve!”, porque, se você não fizer isso…Acredite, a vida também está aí para te ferrar! Então é bom que a gente possa falar de amor-próprio porque esse talvez seja o amor mais bonito e com maior chance de ser recíproco.

Como a pandemia afetou a sua maneira de fazer arte?

Alterou toda a nossa maneira de fazer arte. Eu sou uma artista do ao vivo, do show, do contato com o público… E não pode estar presencialmente nos lugares é muito complicado. O maior impacto foi a saudade do palco, sim.

Eu ainda tenho uma certa dificuldade de me expressar quanto a isso porque é como se tivessem tirado água de mim. Está bem difícil conviver com a falta do palco e de proximidade com o público.

Quais são seus planos para quando a pandemia acabar? Você quer sair em turnê?

É só isso que eu quero fazer na minha vida! Eu vou compor direto da estrada para não parar nunca! Eu não aguento mais! Eu vou participar de alguma coisa, canto e daí automaticamente me conecto com a minha música, então eu me imagino no palco. Porque qualquer lugar que você esteja é um palco, né? Tem um público e tal… E daí vem essa nostalgia de ter as pessoas ali, é muito complicado.

Não só para mim! Porque a gente tem uma falsa ideia de que o mercado artístico é feito só de artistas, mas, na verdade, se eu estou sofrendo com isso, imagina o tiozinho que vende água no show…Eu sofro por mim, mas também fico um pouco surtada pelas pessoas que só podem fazer isso e não tem o mesmo privilégio que eu tenho, de continuar vivendo e não apenas sobrevivendo, sabe?

Como foi trabalhar com o Padre Fábio de Melo?

A gente é amigo, então foi uma experiência gostosa. Essa música foi como se eu tivesse escrito com ele, entendeu? Porque eu terminei a música e eu tinha certeza que ela era dele! Sabe? Era para ele! A gente nunca tinha cogitado uma parceria…Eu já cantei com ele em shows, por exemplo, a gente tem essa amizade, mas, além de ser um grande amigo querido, ele tem uma escrita muito afetiva, um propósito muito afetivo com as pessoas que até me causa uma felicidade misturada com estranheza, né?

Porque, normalmente, as autoridades religiosas e a religião têm uma coisa de ser tão autoridade que a gente quase perde o humano, o espiritual, né? Talvez a religião seja a parte possível de se contaminar, já ela foi feita pelo ser humano. Porém o Padre [Fábio de Melo] é uma pessoa tão bonita! Eu não sei falar dos meus amigos, ele é tão genial, tão incrível, tão amoroso e ao mesmo tempo tão simples, tão elegante. Com certeza, foi a parceria em que eu senti que eu estava 100% sentindo a mesma coisa que a outra pessoa.

Quais outros artistas você gostaria de fazer parceria?

Bom, tinham muitas que infelizmente não deu tempo de eu chegar a tempo de fazer essa parceria. Dos que estão aqui fisicamente, eu tenho um sonho muito grande de fazer uma parceria com o Ney Matogrosso – ele me inspira muito como intérprete, como artista, ele é uma força da natureza.

Também tem diversas outras pessoas incríveis que eu queria colaborar, que são meus amigos também, e logo logo isso vai acabar acontecendo!

Outras músicas suas trazem alguns posicionamentos políticos muito contundentes, como “Respeita as Mina”. Para você, qual é o papel do artista nas causas sociais?

A gente representa o povo! O artista faz isso! Eu não posso ser alheio ao que está acontecendo, senão eu estou sendo de mentira com o meu público… Eu represento pessoas reais, pessoas que fazem política o tempo todo. É que a gente tem essa ideia do que é o verdadeiro conceito de política, que no fim das contas deve ser feita pelo povo e para o povo.

Eu acredito que o papel do artista seja representar, informar, viver e vivenciar e traduzir essa nossa experiência. É muito importante que a gente possa ser de verdade com as pessoas, até porque que não se posiciona, posicionado está.

Dá para fazer arte sem falar de política?

Não! Porque fazer arte é um ato político.

Quais são seus próximos projetos?

Tenho muitas coisas acontecendo. Eu estou compondo com algumas pessoas que eu gosto muito, pessoas de diversos segmentos. Eu estou num momento agora de composição com o meu amigo Tico Santa Cruz e com o Dorgival Dantas, que é um ícone do nordeste e que, para mim, está sendo uma experiência incrível, cheia de brasilidades.

Você pretende lançar algum álbum ou outra música ainda este ano?

Eu pretendo, sim. Eu não posso dizer que tem sido um momento gratuitamente criativo, até porque eu não escrevo só por inspiração, eu escrevo por necessidade!  Eu tenho sentido muita necessidade de dividir isso com as pessoas porque quem é que está bem, sabe? Quem disse que está bem nesse momento, deve estar em desespero, negação, inconsciência…Então eu gosto de dividir [as músicas] por isso. Acho que a gente está precisando muito de arte, aquela arte que acolhe, sabe? Que acompanha a gente no melhor e no pior momento, da arte que impulsiona, que faz a gente ter vontade de continuar vivendo!

Depois que eu passei pela experiência de testar positivo para o Covid, foi uma coisa muito angustiante e arrasadoramente incrível, porque me ensinou muito e me fez “sair” disso que a gente chama de linha de conforto, sabe? Então já já tem música deste novo EP. Talvez algum feat [risos]. Aquela que está cheia de coisas para oferecer! Mas é isso, é isso o que eu quero! Encher vocês de música até vocês não aguentarem mais! [risos]

Já estou negativada, já me sinto melhor… Ontem [01/09] foi a primeira vez que eu cantei depois dessa experiência. Eu ainda tenho um pouco de dificuldade de prestar atenção no que eu estou fazendo, porque eu preciso prestar atenção em respirar, sabe? Eu não gosto disso, eu prefiro não pensar em nada quando eu estou cantando. Mas já comecei um protocolo de tratamento com a minha preparadora vocal e não vejo a hora da gente voltar em segurança para os shows!


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"A música me salva de mim": Kell Smith fala sobre música, saúde mental e política