Os funcionários eram punks, o cenário era o Centrão de São Paulo e a época, 83. O Napalm tinha tudo para dar errado e durou apenas cinco meses, mas sem ele talvez o rock nacional não tivesse tido a mesma cara.

Legião Urbana, Plebe Rude, Ultraje a Rigor, Ira!, Voluntários da Pátria, Azul 29 Mercenárias são alguns nomes que passaram pela casa noturna, tema do documentário Napalm – O Som da Cidade Industrial. 

“As pessoas iam ao Napalm para conhecer coisas novas, não simplesmente para referendar o que já conheciam. Essa era a grande diferença. A pessoa que ia ao Napalm ia aberta para uma experiência numa noite. A noite era uma aventura”, afirma no filme Ricardo Lobo, criador da casa noturna.

Na época, depois de passar uma temporada nos Estados Unidos, Lobo tentou reproduzir, e em alguns aspectos talvez tenha superado, os inferninhos novaiorquinos CBGB e Max´s Kansas City. Ou você acha que um lugar na frente do Minhocão, na rua Marquês de Itu, onde hoje é a Cracolândia, em uma cidade caótica do terceiro mundo não é mais underground que seus congêneres na metrópole norte-americana?

O documentário marca a estreia do jornalista e escritor Ricardo Alexandre, autor de Dias de luta: O Rock e o Brasil dos anos 80 (editora DBA) e Nem Vem que Não Tem: A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Globo). Com o segundo, ele venceu o prêmio Jabuti de melhor biografia, em 2010.

O filme vai ao ar neste sábado (9), às 19h30, domingo, 3h30 e segunda, às 14h, no Canal Bis. Entre os depoimentos estão Dado Villa-lobos (Legião Urbana), Clemente (Inocentes), Nasi (ex-Ira!), João Gordo (Ratos de Porão), Dinho Ouro Preto (Capital Inicial).

Leia a seguir entrevista exclusiva que o diretor concedeu ao Virgula Música, em que ele fala sobre o filme, seus novos projetos e sua relação de proximidade com os entrevistados. “Fiquei muito emocionado de poder sentar por uma hora, duas horas com caras que tiveram a vida moldada pela música, como eu tive”, contou.  

Na sua opinião, qual é o secredo para um bom documentário?

É muita pretensão da minha parte querer responder isso com esta assertividade…

Mas do que você gosta?

O que eu desconfio, digamos assim, que com a internet 2.0, e aí a gente já vai estar falando de uns dez anos, quem se propõe a fazer um documentário, ou mesmo um livro, ou contar uma história, deve considerar a facilidade com que o leitor ou espectador consegue pesquisar no Google, na internet, ter acesso a informações que até muito pouco tempo eram privilegiadas

É por isso que a biografia do Keith Richards tem 600 páginas, é por isso que o documentário do Bob Dylan tem quatro horas de duração e só fala de uma década. Então, isto é uma preocupação que eu tive, que este documentário trouxesse ou informações, ou depoimentos, ou material de arquivo suficiente para justificar a existência dele, em uma época em que talvez as pessoas possam fazer documentário em casa, obviamente não-legalmente, mas com aquele mesmo tipo de informação.

Por isso que você escolheu o Napalm, para fechar em um tema?

Exatamente. Eu desconfio, de novo, sempre o desconfiômetro, que um bom documentário a esta altura do campeonato é um documentário que consegue ter um recorte muito pequeno, muito cirúrgico e de fato oferecer uma boa história a respeito daquilo.

Eu provavelmente não faria um documentário, digamos, que sobre o Chico Buarque. Eu não teria esta pretensão de falar sobre o Chico Buarque em um programa de uma hora. Por isso que eu escolhi o Napalm, que é um assunto muito preciso, muito circunscrito e com muito material novo.

Era algo que faltava na sua pesquisa dos anos 80?

Ah, não. Não sei, cara. Tem muito assunto. O próximo programa para o canal Bis, também é sobre os anos 80, sobre o Júlio Barroso (1953-1984, jornalista, poeta e músico, líder do Gang 90 e As Absurdettes). Então, acho que não, tem muito assunto ainda a ser tratado.

Quais são seus projetos ainda não realizados?

O meu grande projeto ainda não realizado é a consolidação de um estúdio de produção de conteúdo para trabalhar em parceria com editoras, produtoras, que é a Tudo Certo Conteúdo Editorial, este é meu grande projeto, grande sonho não realizado. E o primeiro projeto dele é este documentário, com a Diretório de Filmes e o canal Bis. A gente tem feito outras parcerias também, a próxima é com a 89 FM.

Este filme vai entrar em circuito de cinema?

Ele tem a metragem para televisão, 52 minutos. Agora, entregando o do Júlio Barroso, a gente começa a pensar em um corte para festivais de cinema, um corte de 1h30min, provavelmente, vai trazer algumas histórias que ficaram de fora do corte da TV e também mais material de música. Por uma questão de tentar democratizar o espaço a gente acabou deixando alguns números musicais muito interessantes de fora. Então, temos um excelente material para uma versão mais longa.

Você quis que o filme fosse engraçado, leve, ou foi algo que aconteceu?

Fazer uma coisa leve, pop, é sempre um objetivo. Mas eu acho que este tipo de coisa que você falou talvez tenha a ver com o fato de que eu conheço os entrevistados há pelo menos 20 anos. Então, até um jornalista escreveu isso, fica muito evidente o quanto os artistas confiam em mim.

E eu confesso também que depois de tanto tempo sem escrever e sem entrevistar, eu fiquei muito emocionado de poder sentar por uma hora, duas horas com caras que tiveram a vida moldada pela música, como eu tive. E ver como é gostoso conversar sobre música num nível de profundidade diferente do que a gente tem visto na televisão ou publicado na imprensa em geral. Acho que tem a ver com isso é o fato de eu estar há muito tempo no circuito e desses caras terem uma relação diferente comigo.

E acho também que o assunto tocou os caras emocionalmente. Dá para ver a emoção dos caras em tratar do Napalm, mesmo em alguns depoimentos que não entraram. Por exemplo, o Dinho Ouro Preto, ele diz que até hoje passa na frente de onde era, lá na garagem, para ficar lembrando nas noites do Napalm, 30 anos depois.

Enfim, foi uma conjunção feliz de fatores.

Você chegou a frequentar o Napalm?

Não, neste época estava brincando de Falcom ainda. 83? De Falcon talvez não mais, mas de Playmobil provavelmente. Mas, eu era muito novo e durou muito pouco tempo.

O livro do Simonal você ficou um tempão fazendo, este foi mais rápido?

A diferença é que o Simonal é um assunto um pouco mais delimitado, então eu consigo saber onde eu comecei. O do Napalm, a primeira vez que eu tomei contato com este assunto foi em 2002, quando eu lancei o Dias de Luta. E alguém, que eu não lembro quem, me procurou para dizer que este material daquela tal casa que eu havia citado no livro ainda existia. Entretanto, eu estava muito interessado em me dissociar um pouco dos anos 80. Então, eu não fui atrás disso.

Mas, quando eu recebi o convite do Guilherme Zattar do Multishow, para dirigir alguns projetos do canal Bis, na hora eu lembrei disso. O louco é que eu não lembrava quem tinha me falou disso e até hoje não sei. E foi um grande esforço entre amigos para chegar nas cópias. Isto que o próprio Ricardo Lobo (que era o dono do Napalm) não tem mais.

Então, respondendo objetivamente à sua pergunta, a pesquisa deste mateial começou há dez anos, mas efetivamente eu comecei a desenvolver o documentáro em novembro, acredite se quiser. De novembro a fevereiro.

Você é um cara que tem um gosto musical bem eclético, o que anda ouvindo?

Puxa. Eu ando ouvindo Jonathan Wilson (músico norte-americano de folk psicodélico), como todo mundo, acho. E ando ouvindo Gang 90, por causa do documentário. Para falar a verdade, eu sempre ouço muito as coisas do ambiente em que eu estou envolvido. Então eu tenho ouvido muito as coisas relativas ao que eu tenho feito. Do Napalm eu fui para o Júlio Barroso e para a 89 FM, que agora faz parte da minha jurisdição, digamos assim.

Veja o trailer de Napalm: O som da cidade industrial 




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Casa de shows onde tocaram Legião, Plebe Rude, Ira! e Ultraje, Napalm vira documentário