“Se você não gosta de música pop, desligue. Lady Gaga não é mais relevante. Desde Born This Way, ela é um fracasso. Não compre seu novo single, Applause, no iTunes. Não dê a ela nenhum A-P-PL-A-U-S-E. Não dance as músicas dela de jeito nenhum. Não compre o ARTPOP no dia 11 de novembro. Ela acabou. PARE COM O DRAMA. COMECE A MÚSICA”. É esse texto que você lê em Lady Gaga is Over: a film by Haus of Gaga, enquanto Stefani Joanne Angelina Germanotta te encara com seus grandes e expressivos olhos por trás de uma máscara transparente.

É com essa vinheta que Lady Gaga ironiza quem dizia que o fato de que Applause não aportou imediatamente no topo das paradas decretava o fim da supremacia da artista no mundo pop. “Não fazia nem duas semanas que o meu primeiro single havia sido lançado e todo mundo falava ‘ela já era’”, a artista desabafou para o jornal britânico The Guardian. “As pessoas focam menos na música e mais em como a música está indo, como ela está se saindo em uma perspectiva de números, financeiramente. Se você acha que eu dou a mínima pra dinheiro, você não me conhece de jeito nenhum”. E continua: “Eu acho que depois que você tem alguns números 1 na sua carreira, você meio que já se provou e eu não sinto a necessidade de provar mais nada”.

 

Lady Gaga vem preparando a sua volta há dois anos, desde o lançamento de Born this Way, o álbum cheio de hinos de amor-próprio e aceitação pessoal. O processo criativo de ARTPOP foi beneficiado por algo que colocou uma parte essencial do que faz Lady Gaga ser a artista que ela é em cheque – uma lesão na sua bacia. Ela tentou transfigurar o seu grave problema de saúde em show – alguém se esqueceu da cadeira de rodas banhada a ouro e feita especialmente para ela (e que foi doada depois, vale lembrar)? -, segundo ela, para poupar os fãs da gravidade do ocorrido. Mas, a realidade entrou no caminho do espetáculo e ela teve que cancelar a sua turnê, Born This Way Ball, em fevereiro deste ano. E a Mother Monster teve que ficar de molho.

 

[O problema com a bacia] deixou o meu processo de criação muito mais intenso. Eu não podia fazer nada além de criar. Eu não podia dançar, eu não podia andar, não podia fazer nada”, ela contou para a ABC News. No site LittleMonsters, rede social de seus fãs mais fiéis, ela disse que um dos motivos da demora de ARTPOP é a sua insistência em construir todas as suas músicas apenas com a ajuda de seus amigos (reunidos na Haus of Gaga). “Ninguém escreve as minhas músicas para mim!”, ela disse após lamentar fazer com que seus fãs esperassem. “Cada música que vocês ouvirem minhas, eu criei do nada com os meus amigos. Isso leva tempo”.

O projeto de ARTPOP é ambicioso. Lady Gaga recorre à referência do lendário Andy Warhol, mas, da mesma forma que inverteu a ordem das palavras, ela espera que seu álbum faça o caminho inverso da pop arte do ícone da cultura moderna. “A intenção do álbum era colocar a arte na música pop, um reverso de Warhol”, ela declarou para o Daily Mail. “Em vez de colocar o pop na tela, nós queríamos colocar a arte na lata de sopa”. Ninguém pode duvidar que, pelo menos, a artista tem o mérito de saber usar frases de efeito. Em seu instagram, ela definiu o próprio trabalho como algo que soa como “anjos enfurecidos”.

“A minha intenção é que vocês tenham um bom momento”, ela disse para a rádio americana KIIS FM. “Eu o desenhei para que seja divertido do começo ao fim, como uma noite em uma balada, no aspecto da discotecagem. Quando você o ouve, ele realmente flui bem”.

Lady Gaga foi mais do que bem sucedida nesse aspecto. ARTPOP faz a alegria de qualquer DJ preguiçoso. É só deixar o álbum tocar e a festa terá apenas dois momentos de descanso. As faixas Dope e Jewels n’ Drugs se destoam do conjunto. A primeira, uma poderosa balada que Gaga poderá aproveitar muito bem nas apresentações ao vivo para deixar fluir toda a sua potência vocal. Já a segunda conta com a participação dos rappers T.I., Too $hort e Twista, que auxiliam Gaga a fazer um bom flerte com o gênero.

As outras faixas do álbum, contudo, são o melhor que um pop sem pretensões de ser genial, musicalmente falando, pode oferecer. O que não significa que elas sejam feitas todas do mesmo material. Embora todas sejam indiscutivelmente Gaga, cada uma possui sonoridade própria e são bem trabalhadas no que é proposto a cada momento.

Aura é a música de abertura e, com seu violão dedilhado, traz um recado claro: mande a faca de Gaga direto para Hollywood – é lá onde ela está, em um dos indiscutíveis polos da cultura pop atual. Coincidência ou não, a faixa está na trilha sonora do filme Machete Kills, de Robert Rodriguez, que conta com a participação de Lady Gaga. Swine é um ótimo hino de desprezo – consigo pensar em poucas coisas mais fortes de se dizer para alguém do que o chamar de um porco dentro de um corpo humano.  Fashion soa como algo que David Bowie faria nos anos 80 e cumpre a necessidade de uma representante da década do dance na festa de Gaga. Venus, G.U.Y., MANiCURE e Sexxx Dreams trazem o sexo para o álbum. Donatella tem um refrão poderoso e parece retratar tudo o que a garota com longos cabelos loiros e lisos da música The Fame queria ser. Do What U Want, atual single, parece ser a música do álbum em que Lady Gaga é mais verdadeira e direta quanto ao seu fazer artístico. Ainda que possam atacar a sua imagem, não conseguirão atingir o seu coração, o seu mente, e a sua voz – que são a essência faz ela ser a figura que é.

 

Mas, acredito que nós ainda não tivemos a experiência completa de ARTPOP. Quando se trata de Lady Gaga, a música é apenas uma parte do show. A imagem tem um peso tão importante no seu trabalho como artista quanto a sua voz impressionante, podento mesmo durante números de dança (como ela vem provando em cada apresentação ao vivo de Venus). Se o clipe de Applause foi aquele caldeirão cheio de referências, pode apostar que os outros vídeos e a já tão esperada turnê estarão a altura. Afinal, Lady Gaga não é do tipo de artista que deixa a peteca cair quando se propõe a fazer alguma coisa. Se ela disse que quer trazer a arte para a música pop, ela usará todos os seus recursos e a aparentemente infinita criatividade da equipe ao seu redor para levar a cabo esse objetivo.

 


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Desacreditada, Lady Gaga lança ARTPOP, investe em projeto ambicioso e diz que não se importa com números