Eliete Mejorado e Bruno Verner, o duo Tetine


Créditos: Divulgação/Pedro Ferraro

O terceiro mundo já explodiu. Formado em 95 e autoexilado em Londres desde 2000, o duo Tetine, formado por Bruno Verner e Eliete Mejorado é um dos principais nomes da eletrônica brasileira. Em seu novo álbum, In Loveland With You, eles homenageiam O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla.

“‘O Bandido Da Luz Vermelha‘ é o maior filme brasileiro de todos os tempos”, opina Bruno, ao explicar sobre a importância da obra que norteou o trabalho da dupla. Questões recorrentes no Tetine, existenciais e sexuais, também estão de volta.

Em entrevista para a revista inglesa Dazed and Confused de dezembro, as rappers Brooke Candy e Vally Girl defenderam que o hip hop gay é a “fronteira final”. “Primeiro foram os homens negros, depois as mulheres. Depois os homens brancos e agora as mulheres. Todas as raças e gêneros são aceitas e agora o quê? Sexualidade”,  defendeu Brooke Candy.

Para Eliete, não há novidade em incluir sexualidade em suas músicas, tema recorrente do projeto de música eletrônica e urbana experimental. Em entrevista exclusiva ao Virgula Música, um dia depois de terem lançado o novo disco In Loveland With You, Eliete brinca com a entrada da temática sexual no rap e, consequentemente, no pop.

“De repente ‘queer robotics’ (gay robótico) é o próximo step (passo)! Eu arrisco dizer que o Bonde do Tetão, a Deize Tigrona e o funk carioca de um modo geral foram sementes nesse processo de reorientação sexual do rap e do hip hop. Afinal já fazíamos queer funk branco autoral colaborando com os funkeiros lá em 2004″, aponta.

“O que eu quero dizer é que o movimento todo em volta do funk carioca durante essa época tem um papel importantíssimo nesse processo de ‘re-descoberta’  e ‘re-orientação’ sexual do hip hop e do rap mundial.  Assim como a Peaches tambem é mãe disso tudo”, opina a cantora, que fala sobre viver longe do Brasil, cultura, heróis musicais, família e a criação da filha Yoko de 3 anos, entre outros temas. 

In Loveland With You soa como uma navegação pelo universo sonoro de Brian Eno, Roxy Music, com kraut rock e o habitual eletro. O primeiro single, Burning Land, é uma bossa gótica com camadas de sintetizadores trabalhados no grave e o canto falado de Eliete. 

Falem sobre O Bandido da Luz Vermelha, qual é a relação desse filme com o som de vocês e qual a importância dele?

Em 2011, apresentamos a performance Tetine Vs O Bandido Da Luz Vermelha em São Paulo, onde recriamos sonoramente a narrativa do filme que era exibido enquanto tocávamos ao vivo. Foi uma experiência emocionante pra gente ter feito esse projeto e muito do nosso disco novo acabou nascendo depois da performance.

Eu e a Eli somos apaixonados pela filmografia toda do Sganzerla há muito tempo. Pra gente existe uma conexão estranha entre o a história do Tetine e a trajetória do Rogério e da Helena (Ignez) com os filmes. Acho que pelo jeito de trabalhar, pela história de não fazer concessões quando se faz um trabalho autoral, pelo lado da performance (que era  muito presente também nos filmes), a improvisação, o amor todo pelo Orson Welles, a relação com o mercado, o Brasil e tal.

Enfim, quando nos convidaram pra fazer esse projeto o primeiro filme que veio à cabeça imediatamente foi O Bandido Da Luz Vermelha, que, na minha opinião, é o maior filme brasileiro de todos os tempos. A faixa O Bandido, que está no disco novo, foi criada nessa época, durante esse processo.

Vocês estão desde 2000 em Londres. Quando leem notícias negativas sobre o Brasil ficam aliviados ou sentem uma ponta de remorso por não estarem aqui e poderem batalhar com os artistas daqui por mudanças? 

Pra gente o Brasil funciona como um namorado. Alguém de que você gosta muito mas que nem sempre te trata bem ou não trata bem as pessoas de que você gosta, as pessoas da sua turma, sabe? Não sinto remorso por não estar aí, muito pelo contrário, sinto que faço “minha parte” como posso, como artista brasileira.

Nesses 13 anos vivendo em Londres muitas águas rolaram. Fizemos muitas coisas que acreditamos ter feito o Brasil um país mais legal diante do resto do mundo. Lançamos vários discos autorais do Tetine, compilações importantes que botaram o Brasil num outro mapa e por anos apresentamos um programa de rádio chamado Slum Dunk na Resonance FM, radio art local daqui onde tocávamos de tudo, do mais obscuro funk carioca à eletrônica, com entrevistas ao vivo, lives e tal.

Creem que a arte tem poder de transformar a sociedade?

Claro que sim. Mas tenho achado tudo muito conformado. Tudo sempre regido de acordo com um mercado machista e desumano. Vejo energia nas periferias, nos artistas mais obscuros,  mas esses geralmente não têm muita voz, principalmente no Brasil. Pra ter transforamação, no meu livro pelo menos, a mudança tem que vir da virilha, passar pela coluna vertebral e transbordar feito fotossíntese. Não vejo isso nesse mercado musical de hoje. Vejo derivativos, repetições, fórmulas e muita decoração na parede.
 
Quem vocês acham mais relevante hoje na música?

Difícil responder isso. Laurie Anderson e Leonard Cohen sao realmente relevantes.

Vocês deram um impulso para o funk carioca na Europa, continuam pesquisando as movimentações que ocorrem por aqui? Gostam do carimbó, da guitarrada, do brega?

Sim, gostamos! Mas estamos muito envolvidos com a nossa própria música nesses últimos anos. 

Vocês relacionam música,  cinema,  literatura. Como que surgem as ideias de buscar aproximações com outras artes? 

Acho que vêm do nosso background. Originalmente eu venho da performance art, do spoken word,  do vídeo, do teatro físico e é a partir daí que faço música. O Bruno vem de um background de poesia ligado ao pós-punk dos anos 80 e também à música eletrônica. São as nossas referências, não tem muito uma regra quando estamos criando. Mas nasce tudo dessa mistura de backgrounds. 

As periferias do Brasil e do mundo estão tendo cada vez mais abertura em museus em galerias,  na moda,  mas me parece que eles não estão recebendo nenhuma contrapartida. O que falta para que essa via possa ser de mão dupla?

Acho que existe muito trabalho a ser feito. Ainda existe uma falta de respeito na minha opinião, principlamente porque existe um hype colossal em torno dessa questão. Sinto que ainda é tudo muito branco, tudo muito de acordo com a história da arte contada pelos brancos. 

Vocês têm uma filha,  como é ser artista e ter uma vida às vezes errática e ter que conciliar com as responsabilidades familiares?  

Minha filha virou um pouco parte da banda, ou melhor, teve que virar. Ela é a terceira integrante. Tento conciliar tudo, a escola, a vida dela e a minha profissional.

“Primeiro fram os homens negros, depois as mulheres. Depois os homens brancos e agora as mulheres. Todas as raças e gêneros são aceitas e agora o quê? Sexualidade”. A frase foi dita por Brooke Candy em uma matéria ao lado de Vally Girl à revista Dazed and ConfusedVocês concordam?

E agora?!! Quem vai saber? De repente ‘queer robotics’ [gay robótico] é o próximo step (passo)! Eu arrisco dizer que O Bonde do Tetão, a Deize Tigrona e o funk carioca de um modo geral foram sementes nesse processo de reorientação sexual do rap e do hip hop. Afinal já faziamos queer funk [funk gay] branco autoral colaborando com os funkeiros lá em 2004.

O que eu quero dizer é que o movimento todo em volta do funk carioca durante essa época tem um papel importantíssimo nesse processo de ‘re-descoberta’ e ‘re-orientação’ sexual do hip hop e do rap mundial. Assim como a Peaches tambem é mãe disso tudo.

Veja o Tetine em Burning Land, primeiro single do novo álbum Loveland With You




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Duo brasileiro radicado em Londres homenageia 'Bandido da Luz Vermelha' em disco