Erykah Badu em São Paulo


Créditos: gabriel quintão

Existem algumas discografias que são praticamente inquestionáveis – e Erykah Badu é uma destas artistas que conseguiu criar trabalhos tão inovadores e interessantes que é impossível negar a relevância, o vanguardismo e a beleza de suas composições.

Mas no palco a rainha do neo-soul transforma seu repertório em uma bomba de energia e traz um show que simboliza o virtuosismo e o groove da música negra, em uma apresentação irretocável que aconteceu na noite deste domingo (29) no Credicard Hall, em São Paulo.

Logo na primeira música já ficou claro que o show da turnê atual da cantora, que divulga o álbum New Amerykah Part Two (Return of the Ankh), não abre espaço nenhum para o improviso – quem comparou as apresentações mais recentes de Erykah, como no festival de Lollapalooza ou no Rio de Janeiro neste sábado (28), com a deste domingo (29) viu claramente que tudo é igual. Os trejeitos, as conversas com o público, as danças e a interação com os músicos são elementos previamente ensaiados à exaustão, para que não existam erros e o show seja impecável.

Por incrível que pareça, toda essa teatralidade ensaiada não tira a espontaneidade nem transforma o show da cantora em algo mecanizado ou chato – embora previsível, o set de Erykah é absolutamente emocionante e sua banda de apoio é tão talentosa que cada música parece nascer ali, da harmonia entre os músicos e a liderança espontânea da cantora.

A cantora abriu o show com 20 Feet Tall, de seu álbum mais recente. Logo no início da canção o efeito reverb usado na voz da cantora parecia prenunciar problemas no som, mas este acabou sendo apenas mais um elemento duvidoso que foi englobado pela apresentação energética de Erykah, que não tomou conhecimento de limites e conseguiu ir além de outras falhas, como o som estourando em certos momentos.

O repertório do show trouxe canções antigas – como Bag Lady (do álbum Mama’s Gun, de 2000), No Love e Appletree (do álbum de estreia Baduizm, de 1997), I Want You (do álbum Worldwide Underground, de 2003), e uma linda versão acappela de Didn’t Cha Know – e músicas novas, como 20 Feet Tall, Out My Mind Just in Time e o single Window Seat.

O álbum mais recente da cantora, New Amerykah Part Two (Return of the Ankh), fala sobre amor, sentimentos e barreiras sociais de uma forma muito menos agressiva e acusadora do que o início da trilogia de Erykah, que começou com New Amerykah Part One (4th World War). Se no álbum anterior a cantora apontava culpados em meio a uma musicalidade forte e uma explosão de discursos, aqui ela é mais sensual, mais orgânica – e é essa identidade que Erykah traz para sua nova turnê. O groove foi tão forte – let’s get funky!, proclamou ela – que as músicas pareciam um bloco só, de tão bem arrematadas e em harmonia com a voz forte da cantora.

E que voz: Erykah Badu não tem medo de encarnar diferentes personagens, mandando ver um vozeirão de diva soul para logo em seguida baixar o tom e emular uma cantora de jazz em um pequeno clube esfumaçado e escuro. O novo álbum tem muito do jazz, e essa levada mais orquestrada é parte essencial do show da cantora, que embora continue com a alma no hip hop investiu também em outras sonoridades para enriquecer suas composições.

New Amerykah Part Two também celebra a beleza da herança da Motown, que obviamente corre nas veias de Erykah e está lá no show para quem quiser ver. O incrível é que a cantora conseguiu transformar toda essa bagagem em algo ainda mais poderoso, com a ajuda não só do hip hop, mola mestra de seu trabalho, como de uma forma teatral de cantar que é muito própria do estilo que criou ao longo do anos. Em uma época em que as cantoras sentem que cantar bem é projetar a voz e fazer mil malabarismos técnicos, Erykah acaba se dando bem justamente por não forçar nada – quando sua voz sobe de tom, é porque a música pede, e não porque quer ser aplaudida só pelo alcance vocal.

A versão acappella de Didn’t Cha Know é um bom exemplo disso – logo no finalzinho do show, a cantora deixou de lado o acompanhamento instrumental e mostrou o vozeirão em uma daquelas interpretações simples, porém tão intensas que te dão a certeza de que esquecer tal momento tão cedo vai ser impossível.

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Carinho com o público brasileiro

Um show de hip-hop, vamos combinar, é para sair do chão e celebrar com o artista, e não para ficar longe do palco sentado em cadeiras desconfortáveis. Assistir a um show dançante e funkeado como o de Erykah Badu sentado é algo impossível de se conceber – e por sorte o som da cantora foi tão acima de qualquer problema que a própria plateia se encarregou de resolver essa questão, deixando as cadeiras para trás, pulando as fileiras e se acotovelando em frente ao palco.

Foi algo bonito de se ver, já que o público queria se jogar, e não contemplar a diva de longe. Para completar a cena, Erykah correspondeu ao carinho, se abaixando para dar as mãos aos fãs, recebendo presentes, dando autógrafos e passando um bom tempo agardecendo pela recepção e pelos atrasos. A sintonia foi tão completa que os poucos problemas de som durante o show acabaram sendo esquecidos.


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Erykah Badu celebra a música negra em show emocionante em São Paulo