Karina Buhr, Karol Conká, Ava Rocha e Karine Alexandrino

Montagem/Divulgação Karina Buhr, Karol Conká, Ava Rocha e Karine Alexandrino

Karina Buhr, Karol Conká, Ava Rocha e Karine Alexandrino são nomes destacados da nova música brasileira. No Dia Internacional da Mulher, nós fomos ouvi-las e promover um debate virtual entre elas sobre temas como as influências de outras mulheres e as dificuldades que enfrentam na carreira.

“A mulher é vista como uma coisa frágil, ou uma coisa ‘menos’”, afirma Karol. “É recorrente. Perguntas (feitas com um ar de espanto) como ‘você fez essa música sozinha?’ ou ‘essa letra é sua mesmo?’ ou ‘alguém te ajudou a escrever?’, entre outras variantes”, enumera Karina.

“O conceito da diva que me parece uma prisão, e que reproduz todas as projeções sociais, morais, estéticas e éticas da sociedade em relação a mulher e ao feminino”, levanta Ava. “Ser chamada de louca. O assédio moral preferido de pessoas que querem desqualificar por inveja ou machismo”, argumenta Karine.

Um tuíte de Meredith Graves, líder da banda Perfect Pussy, fez a seguinte defesa: “Campanha para Desarmar os Péssimos e Obsoletos Críticos de Rock e Substitui-los por Meninas Adolescentes”. Veja em nossa conversa com o quarteto fantástico como elas veem a crítica, feita em sua maioria por homens, e como avaliam a contribuição das mulheres na música para a sociedade.

Quem são suas heroínas musicais?
Karina Buhr – Luhli e Lucina, Lia de Itamaracá, Selma do Côco, Patti Smith, Nina Hagen, Marinês, As Mercenárias, Baby do Brasil…
Ava Rocha – Não tenho heroínas, mas acho Nina Simone um grande exemplo e é alguem pela qual tenho profunda admiração. Uma resistente e uma inovadora enquanto mulher, enquanto pobre, negra, enquanto artista politica, enquanto esposa, enquanto mãe, enquanto norteamericana e africana, enquanto diva, operaria, louca. Uma resistente e uma revolucionária.
Karol – Nina Simone, Cássia Eller, Beyoncé, Rihanna e Elza Soares. Musicalmente, me inspiro em mim mesma, e na Laurin Hill.

Que tipo de situação já teve que passar que acredita não ocorrer com músicos homem?
Karine – Ser chamada de louca. O assédio moral preferido de pessoas que querem desqualificar por inveja ou machismo.
Karina – Não é nem que eu tive que passar, é recorrente. Perguntas (feitas com um ar de espanto) como “você fez essa música sozinha?” ou “essa letra é sua mesmo?” ou “alguém te ajudou a escrever?”, entre outras variantes. Não é nem que eu acredito não ocorrer, é que não ocorre mesmo (risos).
Ava – Acho que em todos os ambientes as mulheres sofrem com o tal machismo culturalmente natural incrustado no inconsciente coletivo. Então há situações muitas vezes que passam despercebidas, que não sucedem apenas comigo e que podem mesmo acontecerem apenas a outras mulheres, mas que permeiam o cotidiano, como homens estarem falando entre si, mulheres serem escolhidas para trabalhos pela sua aparência, ou você sentir que não foi convidada a participar de determinadas atividades apenas por ser mulher.

Karol Conká

Divulgação Karol Conká

Karol – Sempre acontece. Na verdade o que rola nesse mercado [musical] é que alguns contratantes confundem as coisas e se comportam como se eu fosse propriedade deles, e sei que, os homens músicos não passam por esse tipo de coisa. Uma vez participei de um festival grande onde havia grupos de homens e a única mulher de destaque lá era eu. Então, eu não tinha meu camarim, não tinha as coisas básicas que eu pedi no contrato, e isso me deixou muito chateada. O contratante ainda disse: “Ela não é nenhuma Beyoncé para pedir toalha”. Foi uma falta de respeito tremendo, enquanto outros grupos formados por homens e com uma caminhada bem menor do que a minha tinham até uva verde no camarim. Daí eu me recusei a fazer o show naquelas condições e em minutos eles arrumaram o que pedi para fazer um show decente.

De que maneira o fato de ser mulher se expressa na sua música?
Karina – Você já perguntou a um homem “de que maneira o fato de ser homem se expressa na sua música?”? Essa é uma pergunta bem machista e bem comum. Ser mulher não é um “fato”. Ser mulher é ser gente, assim como ser homem.

Karine – Em tudo. Em tudo o que me expresso, de todas as formas. Seja compondo, dirigindo um vídeo, cantando, dançando… É a mulher que está dentro de mim agindo e reivindicando um lugar que já é meu.
Ava – No fato de que é uma música feita por uma mulher. O que é ser mulher? Bem, primeiro acho que tem o plano físico e o plano espiritual, que podem se compensar, contrastar e mesmo confundir. Existe sempre um equilíbrio entre as forças do masculino e do feminino, mas acho que a história se encarregou de criar uma cisão entre os gêneros e não uma comunhão. Através das repressões e das submissões, estritamente pelo poder, a história foi construindo e consolidando alicerces religiosos, culturais, morais, políticos, econômicos, motivos diversos para insistir e disseminar esse pensamento e portanto comportamentos nefastos. O que quero dizer é que tampouco quero estar dentro da caixinha do que é ser mulher. Tipo mulher é isso, isso e aquilo. Acho que mulher pode ser muita coisa, e, eu, enquanto mulher, heterossexual, mãe, esposa, mestiça e artista transbordo tudo isso em tudo que faço, em qualquer gesto, que tem o poder da força criativa feminina, a maternidade e a luta são exemplos. Não é só no que canto mas toda a minha labuta diária, meu cotidiano onde crio minha filha, onde resisto a tantas injustiças e transbordo tanto amor. A minha música é portanto o universo para onde tudo isso transborda.

De modo geral, vê traços de misoginia na maneira como críticos musicais, a maioria homens, tratam a obra das mulheres?
Karine – Acho os críticos mais evoluídos. Menos os cafajestes e sem estofo e erudição. Na crítica musical há muitos desses com blogs em grandes portais. Não entendo como dão voz a esses tipos. Um crítico deve ser elegante, pois ele trabalha com cultura. Falo da elegância de espírito. Conheço ótimos críticos. Infelizmente há um tipo casca grossa que deveria estar com uma enxada na mão carpindo um lote e não detonando o trabalho dos outros sem entender nada, apenas cuspindo ódio e escárnio e sexualidade mal resolvida.
Karina –  Muito machismo, muito e sempre. Mulher é tratada como um setor específico, uma coisa meio café com leite, uma coisa musa, uma coisa segundo escalão. É igual a futebol.

Ava Rocha

Ava Rocha

Ava – Já me desagradaram, sim, muitas críticas, às vezes até positivas, mas que como disse reproduzem e muitas vezes até elogiam aspectos que fogem a obra e a artista, nao acontece só comigo. A maneira como disse se enxerga a mulher, o papel da cantora, essas imagens todas criam grandes confusões mentais e machismo sim em relação a mulher, é como se nós tivessemos que sermos ainda mais fodas, mais lindas, mais brilhantes, mais enfeitadas, mais mais e mais, para sermos tanto quanto um homem ou o maximo que pode ser uma mulher, desde que os pré-requisitos sejam completos e aceitos. Especificamente, na música, e não só por parte dos músicos homens, há muitas vezes uma visão que me parece machista na música, quando se trata de uma cantora, que é o conceito da diva que me parece uma prisão, e que reproduz todas as projeções sociais, morais, estéticas e éticas da sociedade em relação a mulher e ao feminino. A questão aí não é a artista que muitas vezes desempenha o papel contrário disso, mas as reflexões sobre ela sempre beiram a questão do gênero.

Como espera que sua música contribua para a igualdade de gênero?
Karina – A igualdade de gênero em si já existe, tanto faz alguém ser homem ou mulher, o problema é que as mulheres precisam ficar repetindo isso o tempo todo, porque nossa realidade de sociedade não reflete isso, simplesmente não reflete uma coisa natural. Os homens, de uma maneira geral, acham que são o centro de tudo e que mulheres são um detalhe, um ser especial e específico, jamais um igual.

Karina Buhr

Divulgação Karina Buhr

Ava – Esse é um lance que eu sempre defendi, estimulei e protegi pessoas que sofreram agressões próximas a mim.Agora acho que a liberdade de gênero é em tudo. é na música também. e gosto mais da ideia de trans, porque é uma curva fora, não tem como definir, muitas coisas implicitas. Então eu acho que faço isso na música, porque minha música é trans, não quer ser nem isso ou aquilo, quer ser o que tem que ser, por mais confuso que isso pode parecer a vista do outro, por mais bizarro, porque sempre estamos atras de compreender algo que foge ao facilmente identificado, mas não somos juízes da imaginação do outro. Isso também vale para o cinema, que assim como o corpo, como a música, é linguagem, então já é libertador em si.
Karol – Levando informação. Procuro fazer a minha música com conteúdo, não quero fazer música só por fazer. Então, a maneira que posso contribuir é levando informação ao público e me informando com eles também.

Karine Alexandrino

Divulgação Karine Alexandrino

Karine – Minha música fala de humanidade e nossas dores e dificuldades de adaptação, seja no amor, nos papéis que adquirimos( ser mãe por exemplo) e solidão ancestral, aquela que independe do amor romântico. Nasce com o nascimento, a náusea que carregamos. Reinvidico aceitação e tolerância. Meus fãs mais fiéis são pessoas libertárias. Somos seres humanos. Tenho uma música chamada Meu Nome é Igual. Eu luto pela liberdade e respeito. Estou do mesmo lado dos marginalizados, porque sou um deles. Da forma como me aceito e acho tudo normal e busco a liberdade, estou cooperando. Meus fãs são generosos, eu devolvo em dobro. Há muitos homossexuais adolescentes que me procuram pra conversar e eu divido com eles a luta que eu tenho na vida pra ser uma mulher sincera e nunca me vender. Recusar a pecha de boneca, colocar silicone, etc. Sempre aconselho: lute pelo que você é, se aceite e não use drogas, pois aumenta a depressão. Viver é luta.


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Karina Buhr, Karol Conká, Ava Rocha e Karine Alexandrino: elas por elas