Lauryn Hill em São Paulo


Créditos: gabriel quintão

A Lauryn Hill que se apresentou hoje (7) em São Paulo não é a diva de outrora: se no passado a cantora mobilizou grandes plateias e conquistou o público e a crítica com sua trajetória arrasadora no Fugees e seu talento inegável em seu primeiro álbum solo, agora a realidade é outra.

Longe dos holofotes há anos e lidando com as consequências inevitáveis de um afastamento do mundo da música, Lauryn Hill chega ao Brasil com muito a provar – será que a diva que um dia foi exaltada como grande influência para a música contemporânea irá retornar com força total ou cairá no esquecimento e no hall de artistas do passado?

A resposta que a cantora deu em São Paulo para essas perguntas foi, no mínimo, dúbia. O público que estava esperando uma grande performance de hip-hop, com os clássicos de Lauryn usando e abusando das bases fortes, envolventes e grooveadas da época do Fugees e de seu álbum solo, The Miseducation of Lauryn Hill, se decepcionou, já que todas as músicas foram rearranjadas com bases mais voltadas para o rock.

A escolha não foi exatamente inesperada, já que os vídeos de suas esparsas apresentações recentes já anunciavam uma pegada mais rock ‘n roll, mas de qualquer forma causou um estranhamento ouvir os vocais tipicamente hip-hop da cantora rimados com bases completamente diferentes das originais. Como a banda que acompanha Lauryn Hill é extremamente talentosa, a escolha acabou dando certo em vários momentos – mas é fato que as versões novas das músicas não conquistaram tanto o público, que só pulou e dançou com mais energia nos clássicos como Ready or Not e Doo Wop (That Thing).

É de se questionar porque Lauryn Hill resolveu fazer especificamente esse set no Brasil, local em que já se apresentou outra vez com resultados nada elogiados. Era de se esperar que Lauryn trouxesse, ao menos, duas mudanças: um repertório mais voltado para os arranjos clássicos e que apostam no groove natural da música negra e ao menos uma prévia de seu misterioso e alardeado novo álbum de estúdio (a cantora não lança nada desde um MTV Unplugged, de 2002). Como nada disso aconteceu, é pertinente imaginar porque uma cantora com tanta experiência como Lauryn ainda não decidiu dar uma reviravolta em suas apresentações e trazer de volta a paixão de seus antigos clássicos.

Ter a coragem de mudar é sempre algo bom – e a segurança com que a cantora refaz a seu bel-prazer faixas antigas transformando-as em hinos do rock é algo digno de se ver. Infelizmente, o resultado acaba parecendo forçado em vários momentos, já que os elementos hipnóticos, cativantes e grooveados, que faziam o público sair do chão, ficam pálidos nas novas versões. Inovações são bem-vindas, mas neste caso o resultado acabou sendo muito abaixo do esperado – mesmo que isso não signifique que a apresentação tenha sido ruim.

Outro problema nas novas versões das músicas foi a duração: muitas canções se estendiam além do necessário, cansando o público e entrando em preciosismos e solos instrumentais que podiam agradar a banda, mas não encontravam eco na plateia. A banda de Lauryn Hill é indiscutivelmente boa, mas existe um limite até o qual é possível alongar um bom momento antes que ele se transforme em constrangimento puro. E esse equilíbrio acabou ficando de lado.

Mesmo com essa escolha controversa em relação ao arranjo de suas músicas, o repertório escolhido por Lauryn Hill acabou compensando a viagem – e a espera, que foi de mais de duas horas – de quem foi até o Credicard Hall em uma noite fria e chuvosa. A cantora cantou clássicos como Zion (totalmente repaginada e quase irreconhecível), Fu-Gee-la, Ready or Not, Killing Me Softly e Doo-Wop, que animaram o público e fizeram com que uma pista quase lotada saísse do chão para cantar e dançar com Lauryn.

O som do Credicard Hall quase estragou os bons momentos da apresentação, já que o som de todos os instrumentos estava embolado e os microfones simplesmente não funcionavam de maneira correta. Por sorte, a banda de Lauryn Hill conseguiu se adaptar e seguir em frente apesar dos inúmeros problemas técnicos.

Uma diva pode passar por vários estágios e várias fases em sua carreira e ainda continuar carregando todo o carisma e o domínio de palco do passado. Lauryn Hill ficou afastada da música por longos e amargos anos, mas não existe mágoa ou estranhamento em seu retorno aos palcos – é como se a cantora tivesse substituído o vozeirão de outrora, que hoje está bem menos poderoso, por uma aura consciente do passar do tempo e mestre de sua própria capacidade.

Lauryn não se afoba, não tenta reconquistar o que perdeu ao longo dos anos de uma vez só. Ela sabe que é preciso paciência e muito, muito esforço – e por mais que sua apresentação no Credicard Hall tenha sido lotada de dilemas a respeito do futuro de sua carreira, é certo que ela está no caminho de se transformar em uma diva capaz de renascer das próprias cinzas. Resta saber se esse caminho será concretizado.


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Lauryn Hill retorna a São Paulo com show roqueiro e repleto de dilemas