Em evidência especialmente após a participação de dois de seus integrantes no Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira (05), o Fora do Eixo tem uma acusação contra a organização. O grupo, que congrega coletivos em todo o país e organiza festivais de música, entre outras atividades culturais, é acusado por um artista proeminente da cena eletrônica, Daniel Peixoto, de não tê-lo pago pela venda de CDs que foram lançados pelo selo Fora do Eixo Discos. Felipe Altenfelder, responsável pelo setor de música, respondeu às acusações pelo Facebook. Ele disse que Peixoto calunia à organização e que está disposto a dialogar e acertar os valores. Leia (aqui).  

Peixoto, que ficou conhecido com a dupla Montage, e hoje lança seus discos pela gravadora francesa Abatjour Records, também diz que foi vítima de um erro no registro de suas músicas, o que o prejudicou, e questiona o que é feito com o dinheiro público que entra por meio de editais para bancar os festivais, uma vez que muitos artistas não ganham nada ou recebem valores irrisórios para se apresentar.

“Cadê este dinheiro que as pessoas sabem que circula? Como artista nunca recebi um cachê de verdade para fazer nenhum tipo de evento para o Fora do Eixo, posso te contar isso. Eles pagam uma ajuda de custo, o que já ganhei no valor mais alto para fazer um trabalho para eles foi R$ 500”, afirma. Daniel Peixoto conversou com o Virgula Música de Fortaleza, por telefone, e falou também sobre bissexualidade, o filho de 4 anos e afirmou sofrer mais preconceito por ser nordestino do que gay.

O Virgula tentou obter o outro lado do Fora do Eixo, mas não obteve resposta. Na quarta-feira, Felipe Altenfelder, respondeu pelo Facebook. 

Você acha que nessa história do Fora do Eixo você foi vítima de uma fraude? Colocaram o seu ISRC [registro das músicas] no nome de outro artista de propósito?

Não, eu prefiro acreditar que foi realmente um erro. Eu conheço muitas pessoas lá dentro, passei muito tempo convivendo com essas pessoas, como em todos os lugares, existem pessoas boas e pessoas ruins. Mas eu prefiro acreditar que a maioria das pessoas são pessoas boas.

Eu acho que realmente foi um erro, eu não consigo acreditar que tenha sido má-fé, de uma coisa que vai além. O que me deixou mais triste na questão inteira é o descaso para resolver o meu problema. E que nunca cuidaram, não é? Só vieram tentar resolver de alguma maneira depois que eu fui para imprensa e coloquei a situação à tona.
Mas até hoje, se eu não tivesse feito esse barulho, eles estariam me cozinhando, como estão me cozinhando até hoje com relação aos acertos dos meus discos vendidos na forma deles, nas banquinhas, os 400 festivais que eles abrem a boca para dizer que coordenam. E todos os dias um fã fotografa ou alguém ganha, ou seja, os discos estão sendo vendidos e eu não estou recebendo.

Pelo contrário, eu paguei para vender porque tudo foi custeado por mim mesmo. Eles entraram aí só com o nome mesmo e, pelo contrário, só fizeram me prejudicar.

Veja Olhos Castanhos

E você acha que tem gente ganhando dinheiro com essa organização ou é só pelo prestígio mesmo?

Cara, prestígio ninguém vive de prestígio. Cadê este dinheiro que as pessoas sabem que circula? Como artista nunca recebi um cachê de verdade para fazer nenhum tipo de evento para o Fora do Eixo, posso te contar isso. Eles pagam uma ajuda de custo, o que já ganhei no valor mais alto para fazer um trabalho para eles foi R$ 500.
Imagina eu, que a minha banda sou eu e mais quatro. Então levo uma DJ somos cinco, com uma produtora, somos seis. A gente faz por R$ 500? E o táxi para chegar ao aeroporto? A hospedagem, essas coisas. Alguém está ganhando esse dinheiro, esse dinheiro está indo para algum lugar e eu te asseguro que não é para a mão dos artistas.

E você vê essas coisas de prêmios, de incentivos fiscais, para mim, essa justificativa que eles dão, que mora todo mundo nas casas, é muito vaga. Para onde está indo o dinheiro? Quem é que está lucrando com isso tudo?
Eu posso te falar por mim, a venda dos meus discos acontece. Porque como eu te disse, o público compra os discos e o público fotografa manda para mim no Insta(gram), no Twitter, no Face(book), enfim, independente de quantas cópias tenham sido vendidas ou do valor pelo qual o meu disco está sendo vendido, esse dinheiro me pertence e não está sendo repassado. Quem está ficando com ele? A pergunta que você me fez eu devolvo para você. Eu realmente não tenho uma resposta, queria saber também.

A sua gravadora é francesa, você acha que é mais entendido no exterior que no Brasil?

Não sei. Em 2011 eu passei o ano quase inteiro na gringa e o que eu consegui notar com esse disco é que as pessoas têm um carinho especial com essa coisa de misturar música eletrônica, música para dançar, com brasilidades. E é que tem muito na pegada desse disco. Então acho que tem uma aceitação muito boa. Aqui as pessoas ainda veem isso como clichê ou como a coisa do brega, assim. Os indies nacionais só querem consumir o que vem de fora e os que fazem a música aqui querem soar como os gringos.
Inclusive eu quando comecei fiz da mesma forma com o Montage, que era uma coisa completamente visando uma sonoridade fora do Brasil. Mas acho que com essa coisa de ter colocado regionalismo dentro do meu trabalho, as pessoas ainda acham estranho. Mas não é que a aceitação seja maior, para eles lá soa como exótico e tem esse fator que contribui. Mas para quem sabe o que é uma boa música, para a pessoa que tem um bom ouvido, acho que não tem muita diferença não.

Ter conseguido emplacar uma música na novela da TV Globo Lado a Lado, Olhos Castanhos, mudou a amplitude, o alcance da sua música?

Mudou, é impressionante. Porque isso a gente nota em números mesmo. Por exemplo, quando a música tocava na novela, ela tocada todo dia. E pelo próprio vídeo no YouTube tinha 5 mil, 10 mil plays a mais de um dia para o outro. E, as minhas páginas na internet mesmo, os números aumentavam consideravelmente.

Por exemplo, entrei em um táxi e ouvi minha música tocando na rádio, isso não acontece com os artistas da independência porque a gente sabe que para estar na rádio existe jabá. E eu não tenho a grana para pagar esse tipo de publicidade.

A procura por show também aumentava porque as pessoas ouvem a música, dão um Google ali e já têm acesso a toda a informação sobre aquele artista. Então veio numa hora muito boa, a música abre o disco e o disco já tinha conseguido por si só ganhar o prêmio Dynamite de Música Independente, de melhor álbum música eletrônica, no ano passado, que foi por voto popular. E logo em seguida veio a novela. Eu acho que foram coisas muito bacanas que juntas me deram uma força maior.

Shine

Eu estava vendo a entrevista que você deu para Marília Gabriela e você fala que as mulheres aqui em São Paulo adoram gays e querem todas se casar com gays. Você é muito assediado?

Muito mais por mulheres, eu te garanto. Acho que as mulheres são mais despudoradas nessa coisa da conquista. E, eu não sei, é óbvio que eu falei isso generalizando e com tom de piada, óbvio que isso não é muito real (risos). Mas pelo menos no meio em que eu circulo, os ambientes que eu frequento, é quase que comum mesmo isso. Eu até vejo amigos gays namorarem mulheres. E São Paulo é foda, né? Tem umas mulheres tão maravilhosas que não tem como dizer não. Acaba acontecendo.

E é verdade que você sofre mais preconceito por ser nordestino que por ser gay?

É. Isso, assim, está embutido, é uma coisa que o preconceito em relação à sexualidade vem de uma forma mais direcionada e o preconceito contra os nordestinos vem mascarado pelas próprias pessoas que dizem aceitar normalmente.

Como, por exemplo, eu tenho certeza de que você já ouviu, a grande maioria das pessoas de São Paulo quando vão se referir a alguém do Nordeste trata como baiano e o mesmo adjetivo é usado quando alguma coisa é muito ruim. Você já deve ter ouvido isso, com certeza.

Sim.

Então, eu estou falando desse tipo de coisa, assim, por exemplo, de achar que todo porteiro é cearense. Isso é embutido e jogado na nossa cara, de nós nordestinos, de uma forma como se a gente já estivesse habituado àquilo. E na verdade não é.

Você vê, outro dia o depoimento infeliz do Alexandre Herchcovitch, postar no Twitter, é até uma burrice o que ele falou, dizendo que as manifestações deveriam acontecer no Norte e aqui no Nordeste que se elegem todos os políticos que não prestam. Cara, então, eu estou falando desse tipo de coisa, eu acho tão mais agressivo que a coisa da própria sexualidade, que são pessoas dentro do que se diz, que estão lutando pelos direitos, mas são essas pessoas que fazem com que a sociedade regrida.

E o que o Nordeste tem para ensinar para esse mundo fashion, esse mundo de tendências?

Ele tem não só para esse mundo, mas para todos os outros assim, você começa refletindo a respeito, se tirar todos os nordestinos dos grandes centros, tipo Rio e São Paulo, não sobra nada. E viram léguas esse mundo fashion, como você está dizendo, bebem na água de referências de coisas que são naturais nossas, mesmo. Estou falando de tudo, de artesanato, da própria coisa da moda, dos tecidos, dos materiais, da própria coisa cultural mesmo, como é feito, acho que está tudo embutido.

E como sempre a exploração, sou estilista vou lançar uma coleção com referências ao cangaço. Aí esse estilista enche o rabo de dinheiro, mas família do cangaço continua pobre. É a velha exploração.

Você é pai de um menino de quatro anos, já teve problema com patrulha gay por ser bissexual, que parece que isso não é muito bem entendido?

Não. Pelo contrário, houve um apoio muito grande. Eu topo falar sobre esse assunto com vocês justamente por ser uma causa também que eu abracei, que vai além do fato de eu ter um filho biológico. Eu sou super a favor da coisa da adoção, que eu acho que é uma coisa que poderia ser mais discutida, mas é um tabu porque as pessoas falam pouco. Eu gosto de poder ter essa voz e poder dizer que uma criança pode ser educada por qualquer pessoa que tenha bons princípios, uma boa índole, que fique muito mais preocupada em criar um ser humano para o futuro do que com quem ele vai dormir daqui a 15, 20 anos. Isso é uma bobagem.

E o que você procura passar para o seu filho, primordialmente?

Primeiro, que ele não está sozinho no mundo. Isso é uma coisa que a gente bate muito eu e a mãe dele, que ele é uma criança extretamente sortuda por ter nascido em um lar de amor e por ter tudo, escola, carinho, alimentação. E o que eu prezo é que ele se torne um ser humano bom e que possa construir um amanhã melhor do que o que ele vive hoje. Acho que essa coisa de ter valores é o mais importante, saber do papel que ele tem na sociedade, do que ele representa e praticar o bem. É tão simples, não é difícil ser um ser humano legal, não.

Existe um lado forte LGTB na música brasileira, mas ao mesmo tempo é uma coisa meio velada. Por que você acha que tão poucos são assumidos?

É engraçado falar sobre isso porque, assim, eu não sei, eu não tenho essa resposta para você. Acredito que possa ser pelo fato das pessoas quererem que o público preste muito mais atenção no conteúdo musical que nessa coisa da sexualidade.

Mas no mundo em que a gente está vivendo hoje em dia, eu posso ser porta-voz e eu sou contra tantas coisas horrorosas que eu presencio e outras tantas que eu fico sabendo que eu tenho essa ferramenta que é meu público e eu posso dialogar com o maior número de pessoas ao mesmo tempo, eu tenho sim que usar essa voz e alertar, tentar mesmo fazer uma espécie de ativismo, sem partidarismo e sem levantar bandeiras, mas contribuir de alguma maneira para que as coisas possam andar para frente ao invés de regredir como tem acontecido nos últimos três, quatros anos.

Eu acho também que se travou uma batalha muito grande da política e religião contra nós LGTBs, então acho que essa nova gerações de artistas, porque, assim, eu não precisaria estar falando sobre isso, de fato, mas eu faço questão porque eu acho que é uma coisa que vai além da música. E a música é uma ferramenta para que a gente possa conversar, dialogar e no mínimo uma discussão onde as coisas sejam discutidas, debatidas e que deixem de ser tabu e passem a ser uma coisa que seja discutida abertamente, quem sabe no futuro nas escolas, até mesmo em casa. Enfim, acho que as pessoas estão mais engajadas e isso é um fator positivo.

Mesmo com esses problemas você vai continuar trabalhando com o Fora do Eixo?

De jeito nenhum, nunca mais na minha vida. Eu trabalharia se eles me pagassem o cachê que eu cobro para qualquer outro tipo de instituição. Eu trabalhei muito de graça para o Fora do Eixo, muito mesmo. Eu acho que já contribuí, a minha cota de contribuição para esta causa que no discurso é muito bonito, mas na prática é diferente, eu já dei a minha parcela de contribuição. Agora, se eles quiserem ter o meu trabalho, só pagando o quanto eu cobro.

E por que você acha que outros artista não vêm à tona e falam também?

Porque eles têm medo do que isso possa acarretar. Mas eu acho que isso já está acabando. Ontem, com essa transmissão do Roda Viva, eu mesmo coloquei no Facebook, vocês artistas meus amigos, que falam mal todos os dias do Fora do Eixo, ao invés de ficar falando em rodinha de bar ou em backstage de show, podiam vir a público e falar.

E eu já vi que muita gente está falando, ontem eu fiquei positivamente surpreso com vários artistas que já tinham feito trabalho com eles e que estavam, não do meu lado porque eu não estou travando uma guerra, estou expondo uma situação que está acontecendo, mas em apoio e manifestando, contando as suas coisas. E além disso, jornalistas, facilitadores culturais, pessoas que trabalham em organizações de eventos e festivais que eu respeito para caralho.

Está todo mundo falando, cara. Acho que daqui a muito pouco tempo no mínimo vai se gerar uma discussão e vai ser procurado para onde está indo esse dinheiro, onde é que os artistas estão realmente sendo suportados, onde é que eles estão sendo enganados. Quem realmente consegue tirar alguma coisa positiva disso. Eu acredito que o Fora do Eixo tenha coisas que sejam bacanas mesmo e que funcione de alguma maneira, mas no geral tem que haver no mínimo um discernimento de para onde as coisas estão caminhando, para onde é que o dinheiro está indo, quem que está sendo beneficiado.

Uma clareza, uma transparência, já que está se falando de dinheiro público e de uma organização que é pública, tem que ser transparente da mesma forma que eles querem que nós sejamos.

Daniel Peixoto e Aretuza Lovi no Gabi Quase Proibida


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Maior nome da eletrônica nordestina diz que Fora do Eixo engana artistas