A volta d'O Rappa


Créditos: gabriel quintão

O Rappa anunciou a volta aos palcos, depois de um recesso de quase dois anos. O grupo, formado por Marcelo Falcão (voz), Xandão Menezes (guitarra), Lauro Farias (baixo) e Marcelo Lobato (teclados e baterias), está ensaiando para uma turnê de sete shows entre outubro e fevereiro de 2012. A banda pretende excursionar com o show do disco Rappa – Ao Vivo, que lançou no ano passado, e as apresentações servirão de aquecimento para a gravação do próximo álbum, que deve sair somente em 2012.

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Falcão e companhia anunciaram a pausa em dezembro de 2009, alegando que não interromperiam os trabalhos com a música e que a pausa seria para o corpo, não para a mente. Neste período, os membros do grupo tocaram seus projetos paralelos: Falcão com os Loucomotivos, Lobato com o ÁfrikaGumbe, Xandão com o Caroçu e Lauro com os Mens.

Meio que para compensar a ausência no cenário da música brasileira, O Rappa lançou em junho do ano passado o DVD O Rappa – Ao Vivo, gravado na Rocinha, no Rio de Janeiro, no dia 23 de agosto de 2009. O registro, que saiu também em formato CD, tem 25 músicas de toda a carreira da banda, incluindo canções do primeiro disco de 1994 até o álbum Sete Vezes, que saiu em 2008.

Em entrevista ao Virgula Música, a banda explica melhor o que rolou de verdade para que fosse planejada essa parada na carreira da banda, como estão os preparativos para o próximo disco e mais. Leia abaixo.

Virgula Música – Vocês anunciaram a pausa nas atividades há quase dois anos. Qual foi o motivo dessa parada?

Falcão: A ideia era que estávamos fazendo a turnê do Sete Vezes e quando já estávamos para completar um ano na estrada, resolvemos fazer o DVD do show na Favela da Rocinha. Mas depois disso, já estávamos cansados. Com todos os discos conseguimos aceitar legal a pressão de cair na estrada. Só que o acúmulo de todas essas experiências juntas acabaria dando uma colisão, um cansaço, um momento de fragilidade. Nossa relação com o empresário na época não estava muito legal e isso desgastou os quatro membros do grupo, tanto que mudamos de representante. Uma vez que fosse feito o DVD da Rocinha, ele ficaria ali para nos representar enquanto déssemos essa parada para respirar. E em 2010, estávamos cheios de coisas para resolver, então nada mais justo do que parar de acelerar. Eu dei um toque no pessoal. “Galera, faltam quatro meses para terminar o ano, vamos marcar show até dia 30 de dezembro e depois cada um vai cuidar da sua parada pessoal e dar um alívio na cara de cada um”. Por mais que eu tivesse sonhado a vida toda fazer shows, os últimos estavam bem cansativos e desgastantes. Mas acho que tudo conspirava para que fosse legal essa pausa, esse descanso.

Virgula Música – De onde surgiu a ideia de fazer o DVD na Favela da Rocinha?

Falcão: Teve todo um esquema com a prefeitura pra poder ir pra lá. O lugar era um depósito de ônibus antigo que agora se transformou em duas pistas para a comunidade. Daí a comunidade pediu esse show e agendamos e fizemos. Estávamos exaustos, mas tiramos forças de onde não tinha e fizemos um belo DVD, deixamos esse registro para avisar a essa comunidade que eles seriam conhecidos no mundo. Serviu também para esse pessoal que ainda tem esse ‘medo do Rio de Janeiro’ ter a oportunidade de ir dentro da Rocinha de uma maneira diferente, com o Rappa junto. Hoje tenho dois lugares maravilhosos para curtir no Rio, que é a Lapa – que está uma multidão fervente de quarta a sábado – e a Rocinha. Só que a Lapa é plana, então poucos tem coragem de curar a ressaca na ladeira da Rocinha (risos).

Virgula Música – Durante essa parada, você também intensificou suas ligações com São Paulo, certo?

Falcão: São Paulo era um lugar a ser conquistado, isso aconteceu e eu sou muito grato por isso. Hoje em dia eu moro em São Paulo e Rio. Quando o calor do Rio tá me enjoando, pergunto se está frio em São Paulo e venho pra cá (risos).

Virgula Música – O que você fez durante esses seis meses que O Rappa deu esse descanso?

Falcão: Fiquei um tempo no estúdio fazendo umas coisas, estou com uma enxurrada de músicas. O Laurinho [Lauro, baixista] ouviu. Tô com um caminhão de material. Estou muito feliz de ter me permitido fazer isso. Sou um cara meio ‘síndrome de Jô Soares’, só vou dormir às 5 da manhã, não tem jeito. E eu fiz minha vida bem produtiva no estúdio, tô com bastante coisa. Essa retomada é um presente a quem nos aguardou com tanto respeito e amor. Mas ao mesmo tempo teve gente que não tinha muita noção que tínhamos parado. Às vezes me encontravam em vôo entre Rio e São Paulo e perguntavam “onde foi o show ontem?” e eu respondia “não, não teve show ontem não” (risos). Eu até brinco um pouco com o pessoal que foi algo meio de premonição, porque eu acho que se a gente insistisse um pouco mais naquele final de turnê, com aquela pressão de querer saber ser melhor na internet e não saber como e essa história de empresário nos fez bem e mal. Tudo que tenho na vida eu devo ao Rappa, mas tenho meus projetos paralelos. Tenho um disco solo quase pronto, mas na minha cabeça eu penso como o Herbert Vianna falava do Paralamas do Sucesso: posso fazer meu disco solo, mas nunca vou sair do Paralamas. Acho isso bem bacana. Então a ideia é a gente fazer um disco novo, arrebentar com ele e depois eu fazer a minha parada. Fiz músicas pensando no Rappa e fiz coisas para mim também.

Virgula Música – E como você fez essa triagem para o trabalho d’O Rappa e o solo?

Falcão: Ah cara, acho que tem alguma coisa dentro do meu coração que surge e diz “isso aqui eu quero mostrar para todo mundo e isso aqui eu ainda tenho que dar uma melhorada”. É o meu próprio senso crítico. Mas eu tenho uns 9 monstros dos quais estou muito orgulhoso de fazer. Eu aproveitei para viver muita coisa, já fui pra Cuba, fui ver festivais em Amsterdã, fui pra Inglaterra, Portugal… Fiquei viajando esse ano todo tocando com o Locomotiva, Bino, Liminha e BNegão, conhecendo e mostrando muita coisa para outras pessoas fora d’O Rappa. Nesse esquema cheguei a mostrar algumas coisas que gravei para outras pessoas, como o Liminha, mas sem falar que fui eu que fiz e recebi elogios. Pessoal perguntava o que era e eu só falava: “ah isso aí é uma música de uma banda muito doida” (risos). E pensava: que legal, imagina mostrar isso para os outros três d’O Rappa depois. Daí, vou brincando assim porque acho que vai dando um termômetro mais verdadeiro.

Virgula Música – E o material pr’O Rappa, em que pé está? Vocês já tem uma lista de músicas definida para um novo disco?

Falcão: Tem coisas que tenho só letras, outras tenho músicas, e outras música e letra. O Lobato está com bastante coisa e eu também, então sei que precisamos de um tempo para ouvir tudo. Acho que esse caminho de parar foi bom, porque tem uma porrada de coisas que eu começava a fazer na segunda e na terça mas na quarta tinha que viajar pra fazer show. Com a parada, fiquei de janeiro a março viajando e fui me enchendo de informação e coisas maneiras e comecei a abrir a torneira da criatividade. Acho legal a gente ter feito isso para poder ter essa postura de não imaginar como o disco vai ser, apesar de já termos uma espinha dorsal do trabalho, ela é só um pedaço do que os outros vão mostrar. Isso dá garantia pra gente.

Xandão: Temos apenas embriões mas que com certeza vamos usar. Mesmo que sejam de baixa qualidade de gravação.

Falcão: Tem coisas que estão gravadas comigo que eu quero que seja aquela sujeira ali. Se der uma limpezinha eu já vou falar “porra, não era isso” (risos).

Xandão: Mas nesses 18 anos cada um conseguiu ter o seu estudiozinho para gravar. Talvez até nos próximos discos a gente traga o disco já pronto pra gravadora. Pela história da época que viemos, era muito difícil gravar em casa e ter bons recursos. Hoje em dia é muito fácil. A qualidade é uma coisa muito relativa; eu digo isso como produtor. Agora a gente percebe muitas pessoas procurando aquele sonzinho feio, que era uma coisa que a gente já fazia tempos atrás, mas porque não tinha equipamento. Pra gente sempre foi uma refência que chamamos de cariri, de sarará, as coisas de baixa tecnologia e baixa qualidade. Isso sempre foi uma marca nossa. Tenho quase certeza que quando chegarmos no estúdio vai ser aquela coisa do “tem um chiado”, mas é isso que é bom. “Isso é feio”. Não, é bom! (risos). O que importa é a nossa verdade.

Virgula Música – A banda então não tem uma data específica para entrar em estúdio? A gravadora não pressiona por um novo disco?

Xandão: Não, temos nosso ritmo e a gravadora sabe que temos uma melhor ideia de trabalhar isso tudo. Não é só simplesmente agendar estúdio e começar a gravar. Queremos primeiro fazer esses shows, talvez até podemos tocar uma coisa ou outra do material novo. Só não queremos nos sentir repetindo o que a gente já fez no estúdio. 

Falcão: Quando você não ousa, não arrisca muito. Eu acho que em todo disco sempre buscamos colocar uma coisa diferente do anterior. Mas de uma forma que o disco tenha uma unidade, mesmo que precise demorar um tempo mais pra fazer pra ele ficar bom. Essa é uma tranquilidade que temos com a gravadora, porque no passado tivemos pressão sobre isso, do tipo “data tal tem que ter o disco” e falamos “não, não vai ter”, tem que fazer show e fazer disco. Aí ficávamos over, com aquela coisa de gravação, show, beber, viajar… Com o tempo você percebe que se você não se preservar, não vai rolar.

Virgula Música – Nesses dois anos em que O Rappa deu uma estacionada, mudou muita coisa no panorama da música nacional, principalmente por conta da internet. Como vocês enxergam tudo isso?

Falcão: O que o pop rock era, mudou. O que era o pop rock há quatro ou cinco anos é o que é o sertanejo agora. A força que a galera do rock tinha é mais ou menos o que o sertanejo é hoje. O que eu vejo no pop rock mundial é que quando falta criatividade, busca-se ficar mais próximo do que está dando certo lá fora. Quando isso não é verdadeiro, não adianta imitar o Rappa, o Charlie Brown Jr, o Paralamas, que o cara vai ser reconhecido ali mas logo depois vai ser comparado. A galera tiraria mais vantagem se ousasse mais, e isso que vai dar longevidade ao pop rock ou a qualquer outro estilo musical. Se o cara se apegou a uma história, hoje ele deve estar meio preocupado, tipo “o que eu vou fazer?”. Ficar só naquela de rock’n’roll puro, reggae puro, eletrônico puro, vai colidir com o gosto do pessoal que procura coisas diferentes. Vai ter aquele público que vai perceber que ali tem um chocalho a mais, um cowbell, um rock com eletrônico.

Virgula Música – O que está inspirando O Rappa na parte de letras?

Falcão: O Brasil me deixa muito inspirado. Ainda temos aquela história do ‘somos o melhor país do mundo’. Somos mesmo. Em outros países temos essa coisa das bombas, das guerras, etc. Aqui temos isso em alguns lugares, mas em uma escala interna. Falam bastante do Rio de Janeiro, que dá motivo, mas também temos isso em São Paulo, em Recife. Criam situações que fazem com que eu queira passar uma mensagem para uma galera que talvez não tenha discernimento nessa questão. Mas também temos um outro tipo de guerra que é a que vai sedando a gente. Os 400 caras sentados no senado estão ali minando a nossa força. Temos que acreditar que os que virão depois serão melhores, que nem todos que estão ali são ruins. Vivemos em um país onde matam uma juíza, cara. E isso não podemos permitir, então parte do que fazemos com ações sociais vem de uma tentativa de mudar o que está errado e alertar os outros, mas sem levantar uma bandeira.

Virgula Música – Vocês tem esse cunho social nas letras. Como vocês acham que vai ser a receptividade a isso nessa nova era de redes sociais, na qual tem mais informação do que conscientização?

Falcão: Nós queremos fazer de uma forma que desperte as opiniões das pessoas que escutam o nosso som. A ideia é justamente essa, explorar esse mecanismo que a rede tem de colocar ali na mão, nos dedos das pessoas pra escrever sobre aquilo e promover o debate.

Xandão: E isso não serve só para o debate social; agora serve pra música. Imagina, é até melhor porque você pode escrever exatamente pro teu público. Não é aquela coisa de você lançar uma música e o teu disco ser resenhado por um crítico de uns 60 anos que nunca viveu aquilo que você está escrevendo e vem falar mal.

Falcão: Eu acho que tem é que aparecer mais gente com coragem para criticar esse tipo de coisa que fazem com o nosso País.

Virgula Música – Não seria um tipo de ativismo? Ou vocês estão querendo fazer a sua parte?

Xandão: Não, passa muito longe de ativismo. É simplesmente você perceber essas coisas que estão acontecendo e botar isso pra fora. Você vê aí governo censurando imprensa como aconteceu na época da ditadura, e o mais estranho é que isso acontece por um governo que se dizia de esquerda. Pra você ver a que ponto as coisas estão…

Falcão: Quando aparecem críticas ao governo, mesmo aquelas que são de sacanagem e bem-humoradas, eu me vejo ali. Eu enxergo uma pontinha do que eu queria falar pra essas pessoas que botam o País pra baixo. Então eu acho isso muito importante, valorizo até essas ‘pontadinhas’ humorísticas. A pessoa não deixa de fazer sua parte.


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