Em entrevista, BK’ revela detalhes sobre a produção do EP “Cidade do Pecado”

Vejo BK’ na madrugada do dia 5 de fevereiro após sua apresentação na Audio Club, em São Paulo. O show, que contou com participação especial de Luccas Carlos, Febem, Ashira, Nill, entre outros artistas, marca o lançamento do EP “Cidade do Pecado” (2021) e processo de reencontro do BK’ com o público, os palcos e consigo mesmo.

Relaxado no sofá após o show, o artista revela que o retorno das apresentações depois do período de isolamento foi desafiador e que, em meio a esse processo, se questionou se era isso mesmo que ele deveria fazer da vida. “Pensei que eu não sabia mais cantar. Então acaba o ensaio você vai pro quarto e pensa ‘Mano, eu não sei cantar. Será que é isso que eu quero fazer?”.

Porém, após uma bateria de shows, o rapper confessa que essa sensação já passou e que agora se sente curado dessa dor. Fato que foi nítido com o show que marca o processo de reencontro do rapper com os fãs, amigos e a música, promovendo uma apresentação em que ele estava à vontade no palco, fazendo com que o público se soltasse ao cantar junto com pulos e danças, seguindo os passos do cantor. Em entrevista, BK’ contou sobre como foi voltar aos palcos, sobre como ele lida com o poder e o que lhe motivou a querer ser gigante.

Bk’, como foi voltar a fazer show depois de todo esse tempo?

BK’: Eu me senti um jogador voltando de lesão, tá ligado? É difícil, você sente aquela emoção da torcida a seu favor mas a sua performance fica mais difícil. Porque é isso, você tava lesionado e ficou um tempão sem entrar em campo, então foi difícil pra caralho. Hoje já estamos com mais de vinte shows, então tem que tá melhor, né? Mas voltamos direto no Circo Voador. Foi muito bom, mas foi aquela parada mais puxada. Foi dolorido, tá ligado? Mas foi satisfatório, acho que você tem que escolher em algum momento pelo o que vai sofrer. E a nossa escolha é isso, por fazer show, estar presente e a gente gosta disso, tá ligado?

E foi dolorido em qual sentido?

BK’: Eu achei que não sabia mais cantar, mano. Fiquei dois anos sem fazer show. Eu lembro que no primeiro ensaio do show no Circo eu não sabia cantar uma música minha que eu cantava há uns cinco anos, tá ligado? Pensei que eu não sabia mais cantar. Então acaba o ensaio você vai pro quarto e pensa ‘Mano, eu não sei cantar. Será que é isso que eu quero fazer? Mas você fica confuso, essa é a dor. Há dois anos atrás eu tinha certeza que eu amava, mano, e com esses dois eu não tenho certeza se eu amo aquilo. Não porque eu não gosto, é porque eu não estava mais em contato com aquilo. Então essa volta é dolorida, de tá se preparando de novo para o show, de tá decorando letra e voltar a fazer coisas que você já fazia com facilidade, fica parecendo que você nunca fez aquilo.

E como está essa dor hoje?

BK’: Não tô sentindo nada, não tô sentindo nada!

Está curado! E em dezembro de 2021 você lançou o EP “Cidade do Pecado” pelo seu selo Gigantes. Como surgiu a ideia do EP?

BK’: Primeiramente ia ser um álbum, nós lançamos 5 faixas e iam ser 13. “Cidade do Pecado” é a falta de viver aquilo, por mais que eu não ficasse explanando no meu Instagram e nas redes sociais eu vivia muito aquilo, que é você viver o sucesso da tua parada, tá ligado? Quando a gente chega na boate lá do Rio geral sabe que é a gente. Então em “Cidade do Pecado” eu foquei numa parada que eu não tava vivendo mais. Acho que se não tivesse a pandemia, se eu não tivesse sem ir em balada e festa eu não ia focar tanto nesses assuntos. Então eu queria seguir esses assuntos de festa, de você conhecer uma pessoa na festa e rolar aquele sentimento no momento, na hora. Eu nunca ia falar disso se eu não tivesse vivido a pandemia, então essa pandemia de merda foi mais isso, lembrando de coisas que a gente vivia mas estavam no automático.

Fotos por Wallace Domingues

E você trouxe uma influência do funk nesse EP, como foi esse processo de misturar o rap com o funk?

BK’: Antes de começar a fazer rap o meu freestyle era no funk, eu comecei no funk. Sempre fui muito fã de rap, mas o meu rolé começou no funk muitos anos atrás. Mas eu sempre fui muito fã da cultura hip hop e tudo que ela fez por mim. Acho que em algum momento eu consegui, não sei se migrar, tá ligado? Naquela época talvez seria migrar, porque hoje, graças a Deus, tá tudo muito próximo entre o rap e o funk eles conversam muito. Então foi essa ideia de trazer coisas que eram referências de música antiga. Minha mãe ouvia MPB em casa e eu ouvia funk na fita, mano. Botava uma fitinha ali e ouvia proibidão, então eu consegui trazer muito disso. E também tentando inventar, acho que depois de “Castelos e Ruínas” eu quero inventar. Quero chegar no estilo que é meu. Ah esse estilo aqui é BK. Qual sua vertente do rap? Trap, entre outros e BK’. Essa é a minha busca, em “Cidade do Pecado” eu busquei isso, tá ligado? Funcionou? Não funcionou? Sei lá, mas eu tentei e vou continuar tentando.

E você falou das festas, né? Porque vocês chegavam e era reconhecidos.

BK’: Amo, amo festa. É muito bom!

É muito bom e faz muita falta! E você é reconhecido nos lugares além de ser uma das referências do rap nacional. E na faixa “Poder”, do álbum O Líder do Movimento (2020), você fala “Essas pessoas ao meu redor/ São mariposas circulando a luz ou moscas circulando a merda?”. Como você lida com essa dúvida e com esse poder?

BK’: Caralho… não estava preparado para isso, hein. Não estava preparado para isso… são vários momentos. Você sabe quem você é e você sabe o que você representa. Então vão ter pessoas que vão chegar para se aproximar de você querendo te sugar, e você não pode chegar e falar ‘ Ai meu Deus, estão querendo me sugar, não consigo’. Porque, mano, você sabe que tá numa posição que, eu acho que é isso, você tem que entender a posição que você tá. A gente fez um álbum clássico, a gente tem álbuns foda na pista, a gente faz shows foda e vão chegar pessoas querendo sugar, mano. É uma reflexão, naquela faixa eu tô me perguntando e agora eu tô me respondendo. Não dá para saber se são mariposas ou moscas, mas foda-se. Você tem que estar preparado para os dois, mano. Porque foi isso que você escolheu fazer, se você escolhesse outra coisa você ia ter outro tipo de preocupação. E não é uma preocupação que me impede de dormir, é aceitar isso, tem pessoas que vão se aproximar de mim porque a gente tem um trampo que é reconhecido na pista e tem gente que vai se aproximar para querer somar.

Agora puxando para “Porcentos”, do álbum Gigantes (2018), você canta “Dinheiro pra nós é proteção”, enquanto em “Cidade do Pecado”(2021) é justamente essa pessoa que está tendo que lidar com essa máquina capitalista e em partes sendo engolida por ela. Não tem como negar que o dinheiro é importante porque ele é, mas como você acha que essa busca por dinheiro pode ser dosada para a pessoa não se perder no meio?

BK’: Vamos lá, minhas músicas são muito das minhas vivências. Eu como um cara preto que era pobre conseguia através da música ter outras coisas, não falo acessar outros lugares, mas ter outras coisas, tá ligado? O dinheiro te protege até certo ponto. Geralmente você chega com grana em alguns lugares, mas as pessoas vão te olhar como um cara preto. E só vão te olhar de outra forma quando a conta chegar e você pagar a conta. Enquanto a conta não chegar você vai ser um cara preto que está no lugar dos caras. Como é que você lida com isso?

Eu acho que a gente tem que buscar, não é a busca desenfreada pelo dinheiro, não é fazer o dinheiro de qualquer forma, tá ligado? Mas eu acho que é ter acesso às mínimas coisas que vão fazer a sua vida funcionar. E quando você tem acesso a essas mínimas coisas você pode ver que elas nem funcionam tanto, é foda. O sistema vai fazer isso, você acha que se você ganhar 5 mil reais por mês sua vida vai funcionar. Você começa a ganhar 5 mil e percebe que agora precisa ganhar 10, você vai ganhar 10 aí vê que precisa de 50 e aí em diante, tá ligado? Eu não fecho com o capitalismo porque eu fecho com trabalhador, tá ligado?

BK’, por último, o que te motivou a querer ser gigante?

BK’: Cara, eu venho de uma família, vai parecer aquelas histórias tristes, né? Mas real, minha mãe e minha vó não tinham nada. Minha vó veio de Recife muitos anos atrás e a nossa família foi daquelas que não tinham nada e conseguiram construir as coisas aos poucos. Hoje eu consigo seguir os passos da minha família que veio do nada e construiu as coisas. Tem muita gente que fala que eu viajo com esse papo de gigantes, mas é isso, mano, a gente tem que tá num lugar de grandeza. E não tô falando que todo mundo tem que tá em um lugar de grandeza, acho que a pessoa tem que se sentir confortável onde ela realmente se sente bem.

Mas, pela história da minha família, eu tenho que construir isso, pelo o que a minha vó passou, pelo que o meu bisavô, minha bisavó passou, pelo que minha mãe passou. Para mim eu tenho que ser gigante, essa é minha missão de vida. É uma parada que eu tenho que ser gigante pelo o que elas passaram por mim. De minha mãe dever vários bagulho para poder me botar para estudar uma parada, de não pagar plano de saúde para ela para poder pagar algumas coisas para mim. Ser gigante para mim é isso, mano, poder continuar a história da minha família e os que vierem depois de mim tá num lugar maior ainda, para mim ser gigante é isso.


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O (re)encontro de BK’ com os palcos

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