JuPat por Anna Júlia Santos

JuPat começou sua história com o rap no início dos anos 2000, em Piracicaba, interior de São Paulo, quando, com mais quatro amigos, descobriu que podia fazer música no PC de casa. Criaram, então, o grupo ThePhin.

Ao lado do coletivo Sempre apresentaram-se em espaços culturais de Piracicaba e São Paulo e fizeram barulho na internet.

Este ano, a artista iniciou sua carreira solo apresentando Transe. O single, acompanhado de videoclipe, antecipava a estreia de seu primeiro álbum, Toda Mulher Nasce Chovendo.

Com produção de Rasec e “alquimia final” de Pipo Pegoraro, o disco, que registra seu processo de transição de gênero, é permeado pela chuva como símbolo da transformação de um estado físico para outro.

O que você buscou em seu primeiro álbum?
JuPat – Na verdade, acho que foi o disco que me buscou e eu deixei ver onde ia dar. Ele surgiu de uma necessidade puramente pessoal e existencial, de colocar pra fora o que tava transbordando e registrar o momento intenso de transformações que eu estava vivendo.

Toda Mulher Nasce Chovendo é uma busca beauvoiriana do que significa não nascer mulher, se tornar mulher, permeada por muita chuva, por que a chuva é a bênção, o símbolo dessa transformação de um estado físico em outro, resultando em uma catarse, um escândalo, um fenômeno natural que mexe na rotina de uma cidade e deixa todo mundo meio introspectivo.

O lugar de inspiração do disco é esse lugar da água, da fluidez, de Netuno, da libertação do emocional, do misticismo. E no meio do caminho fui conseguindo trazer pessoas especiais, como o Rasec e o Pipo Pegoraro pra ajudaram a deixar essa essa chuva mais bonita.

Quais são seus valores essenciais enquanto artista?
JuPat – Pra mim, a arte é uma liberdade de existir. E cada pessoa tem a sua própria busca do que é existir de uma forma verdadeiramente livre. A minha busca por liberdade, enquanto mulher trans, passa pelo confronto, pela resistência, pela transgressão, pelo direito de sair na rua, é mais um processo diário de libertação, de arrancar a liberdade na marra.

A música que sai de mim, vinda desse lugar, acaba carregando esse desejo quase sexual pela existência, mas cada ouvido escuta uma música diferente e eu me completo se ela ajudar alguém a tentar se desalgemar também.

O que está acontecendo de mais interessante na música hoje, na sua opinião?
JuPat – Pra mim, a figura mais impactante e inspiradora na música hoje é o Edgar (O Novíssimo Edgar), que tem uma poesia musical e visual que desarranja qualquer estrutura.

Eu vejo uma geração de vozes muito fortes representando a verdade de pessoas que sempre foram caladas, como Djonga, Don L, Baco Exu do Blues, Bivolt, Alt Niss, Tássia Reis, Rincon Sapiência, Flora Matos. A música preta do Fabriccio. O climão fossa e gozo da Letrux, que eu me identifico demais. Todos esses artistas, pra mim, estão representando formas únicas e lindas de existir.

Acha que as pessoas estão começando a lidar melhor com o fato de que muitas artistas trans estão surgindo e muitas outras ainda despontarão?
JuPat – Acho que a questão não é que as pessoas estão lidando melhor, elas estão sendo obrigadas a aceitar. Nenhum direito é cedido de graça, pra uma artista gravar uma música milhares foram violentadas e mortas. Acho que não dá pra falar em lidar melhor enquanto somos o país que mais mata travestis no mundo. Mas nós estamos ocupando e esse movimento é irreversível – e precisa ser na arte, nas universidades, no mercado, na política. Vão ter que aceitar, porque vamos continuar resistindo e ocupando.

Que outras artistas trans considera um modelo, inspiração?
JuPat – Todas me inspiram. Linn da Quebrada, Liniker, as Bahias e a Cozinha Mineira, Zek Andrade, Leandrinha Du Art, Danna Lisboa, Triz, Verciah, Mc Dellacroix, Mc Xuxu, Gloria Groove. Muito amor.

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Créditos: Caroline Lima

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