Exposição Stanley Kubrick, no MIS-SP

A exposição sobre Stanley Kubrick no MIS - Museu da Imagem e do Som de SP trouxe o universo do cineasta
A exposição sobre Stanley Kubrick no MIS - Museu da Imagem e do Som de SP trouxe o universo do cineasta
Créditos: Reprodução
O machado usado por Jack Nicholson em O Iluminado, o par de vestidos das gêmeas do mesmo filme, as fantasias de macaco de 2001: Uma Odisséia no Espaço, entre outros objetos históricos da filmografia de Stanley Kubrick fazem parte da exposição que abriu no último dia 11 e já recebeu mais de 3.000 pessoas no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. “Ele ficaria lisonjeado”, diz Christiane Kubrick, 81, viúva do cineasta. Kubrick morreu de causas naturais em 1999, pouco antes de finalizar De Olhos Bem Fechados
 
 
“Especialmente com a quantidade de jovens que se interessam pelo trabalho dele”, diz ela, que conversou com o Virgula Diversão no hotel Renassaince, em São Paulo, no último domingo (13). “Ele não foi muito premiado em vida. Ganhou um Oscar por Melhores Efeitos Especiais. Então sei que ele gostaria”, explica. 
 
A exposição já passou por Tóquio, Londres, Los Angeles, Paris e Amsterdam, e agora chega a São Paulo junto à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que exibiu entre os dias 11 e 16/10 uma retrospectiva sobre o diretor. 
 
“Estou com essa exposição há dez anos, é um sucesso, passou por muitos lugares”, relembra Christiane. Sobre a montagem realizada no MIS, ela elogia. “Aqui, ela é muito intuitiva e sensível, com os sets pelos quais você pode ir se movendo. Achei uma ideia brilhante, ninguém tinha feito isso”, nota. “Los Angeles foi uma coisa enorme, grandiosa mesmo, bem ao estilo Hollywoodiano. Paris foi lindo, poético. Na Holanda foi muito bom. São jeitos diferentes de contar a mesma história”, reflete.
 
A exposição traz centenas de documentos originais, como materiais de áudio e vídeo e objetos de cena, além de fotos utilizadas em seus longa-metragens. Praticamente tudo saiu do arquivo pessoal do cineasta, guardado em centenas de caixas armazenadas na mansão do casal em Londres, na Inglaterra. Depois da morte dele, Christiane resolveu mergulhar nos arquivos. “Foi triste abrir tudo aquilo”, conta. “É muito triste quando seu marido morre e você tem uma sala cheia de coisas dele, apenas porque ele não quis jogá-las fora ou organizá-las”, diz. 
 
Com a ajuda de um arquivista, Christiane selecionou o que era mais relevante. A totalidade dos arquivos foi doada para a University of Arts, em Londres, uma associação de escolas de arte britânicas que mantém o material aberto para visitação, além de um site para pesquisa. “Acho que fiz a coisa certa. Seria idiota deixar tudo em casa aprodrecendo”, brinca Christiane. 
 
Leia a entrevista completa:
 
Virgula: A senhora conheceu o Stanley Kubrick no set de Glória Feita de Sangue, em 1957. Qual foi a primeira coisa que chamou sua atenção nele?
Christiane Kubrick: Tudo. Fiquei imediatamente impressionada – e ele também. Nós éramos ambos… Bom, éramos casados. E infelizes. Miseráveis, para dizer a verdade. Então não estávamos pensando que iríamos encontrar um ao outro e ter um amor à primeira vista que iria durar a vida inteira. Foi muito bom, fomos muito felizes juntos. Graças a Stanley eu tive uma vida incrivelmente interessante. No fundo, é uma questão de sorte. 
 
A senhora diz que graças a ele viveu uma vida interessante, mas também teve a sua individualidade profissional, certo? Com a pintura. 
Sim, eu sou pintora. Mas não conseguia ganhar dinheiro com pintura, quase nada. Cresci em uma família do showbusiness, eu era dançarina… Bom, na verdade eu era uma atração de circo. Fazia meu dinheiro com filmes, televisão e teatro. Foi a minha sorte, pois Stanley me viu na televisão, e o resto é história. É muito incrível que pessoas com trajetórias tão diferentes possam ter se encontrado. Mas, em último caso, nossas histórias diferentes tinham algo em comum. Nós dois viemos de comunidades que não eram apreciadas pelo mundo – eu, alemã, e ele, judeu. Ainda há muito antissemitismo no mundo e, à época, todos odiavam os alemães. Nós alemães também odiávamos a nós mesmos. Era realmente horrível. 
 
A senhora veio de uma família fortemente ligada à propaganda nazista. Seu tio, Veit Harlan, fez o filme que é considerado o mais antissemita da história do cinema [Jud Süß, 1940].
Eu era de uma família muito poderosa. Todos na família eram músicos ou cineastas. Esse meu tio era muito famoso – ou melhor, muito infame. Depois da 2ª Guerra mundial, depois que nós [alemães] matamos a todos, começamos a matar uns aos outros na própria Alemanha. Não sei… é o destino de um país. Havia julgamentos enormes, terríveis. Meu sobrenome [Harlan] virou… Bom, virou merda. Não deveria dizer isso. Mas enfim, era difícil. Tive de mudar meu nome para poder trabalhar. Fiz muita televisão. 
 
Quantos anos a senhora tinha quando a guerra acabou?
Adolescente. Era uma geração que tinha muita raiva. Quando tudo foi descoberto – que nós alemães éramos usados pelo regime como escravos, muitos fazendo trabalho rural, pesado… Minha geração foi a primeira a ser antinazista. Nós odiávamos tudo: nossos pais, nosso país, tudo. Era uma atmosfera horrível. Agora a Alemanha mudou muito, restou apenas parte desse sentimento. Havia muita culpa e muito ressentimento. Você não quer que alguém escreva a palavra “assassino” na sua testa. Eu resolvi ir para os Estados Unidos e meus amigos diziam: você será muito, muito solitária lá. Eles te odiarão.
 
Especialmente na indústria do cinema norte-americana, não? 
Sim. Tomei fôlego e fui. Fiz faculdade lá, estudei pintura na UCLA [Universidade da Califórnia]. Levei a minha filha mais velha comigo, eu era muito ocupada. Depois que me casei com Stanley, tive mais duas filhas e era muito, muito ocupada. Ele fazia tudo parecer mais interessante. Parece sentimental dizer isso, mas é verdade. Ele vivia num pulso acelerado, dormia quatro horas por noite. Tinha muito energia e era divertido de se estar junto. Nem todo mundo tem essas qualidades [risos]. 
 
A senhora nunca considerou voltar a atuar dirigida por Stanley? 
Eu odiava atuar. Queria pintar. Não gosto de falar, gosto de ouvir. Gostava do teatro e de dançar. Mas não muito de atuar. Odeio pessoas me observando. Se estivesse no cinema, faria direção de arte. Sem contar que posso carregar meu trabalho para onde quisesse, especialmente casada com um cineasta. Fora que Stanley falava muito, e conseguia ouvir o que ele dizia enquanto pintava – mas não falar enquanto pintava. 
 
Stanley nunca te pediu para trabalhar com ele, atuando ou mesmo na direção de arte?
Ele sabia da minha história, que eu não gostava. Nem falávamos disso. E tínhamos três crianças pequenas em casa, eu era muitíssimo ocupada. Stanley gostava de entreter em casa porque não tínhamos dinheiro.
 
Vocês não tinham dinheiro? 
No começo, éramos muito pobres. Ele teve de pagar para me tirar de um contrato que eu tinha com um estúdio de cinema, o que custou dinheiro. Ele teve de fazer o primeiro filme com dinheiro do tio. Era um sucesso de crítica, mas só tínhamos dívidas. Ele jogava xadrez por dinheiro, fotografava para uma revista. Há poucos cineastas que, no começo da carreira, têm alguma coisa pra comer. Não íamos a restaurantes caros que as pessoas da indústria do cinema frequentavam. Fazíamos isso em casa. Então, depois de muitos anos, ficou melhor. Mas só ficamos ricos depois de 2001: Uma Odisséia no Espaço. Leio diários de Stanley quando ele tinha 19, 20 anos. Ele não sabia de onde viria a próxima refeição. Ganhava dinheiro jogando em competições de xadrez e comprava latas de feijão cozido por 20 centavos. Deliciosas, pelo menos quando se está morrendo de fome. [risos]. Há uma foto ótima na exposição de quando ele era bem jovem, dessa época, com a mesma jaqueta de sempre e aquelas calças engraçadas.
 
Ele era bonito?
Eu achava ele muito bonito, sim. Mas não de uma forma tradicional. Ele era iluminado, inteligente, engraçado, interessado em tudo, intenso. Isso é sexy, ele era sexy. As pessoas gostam de escândalos, mas não tenho um para contar. Bom, no meu passado até tive. [risos]
 
Fora os arquivos, as exposições, vocês também fazem livros. Tem algo novo em mente?
A Taschen, que tem lançado os livros, acaba de fazer um sobre os filmes que o Stanley não fez, como Napoleão. É bem interessante. O próximo é sobre… Sobre… Desculpe, estou senil. Ah, é sobre O Iluminado
 
O ator Danny Loyd, que interpretava o garoto de O Iluminado, disse recentemente que ainda recebe trotes pelo filme. Como era a relação de Stanley com as crianças com as quais trabalhou?
Ele se divertia muito. Adorava deitar com as crianças no chão. Ela dizia para as gêmeas de O Iluminado: me assustem, agora. Elas faziam o que queriam, adoravam, faziam caretas cobertas de sangue falso [risos]. Ninguém ficou traumatizado. O menino, Danny, adorava brincar que falava com seu dedo imaginário. Hoje ele é professor. Sempre foi muito inteligente.  O garoto que fez Barry Lyndon, o mais velho, hoje é diretor de cinema, além de bom pianista. Ele diz que nunca esqueceu uma palavra que Stanley disse a ele, o quanto aprendeu sobre cinema com Stanley. 
 
Stanley mostrava entusiasmo pelo desenvolvimento das tecnologias de cinema?
Muito. Ele era fotógrafo antes de qualquer coisa, por isso 2001: Uma Odisséia no Espaço é tão bom. Foi feito sem computador. As estrelas eram agulhas espetadas em papel preto. Ele gostava de fazer algo com as mãos, tínhamos isso em comum. Todo o seu jeito de filmar era puro, só a câmera, só os atores. Ele tinha o melhor brinquedo do mundo: o cinema. Se eu o chamasse para um dia na praia, ele queria chorar [risos]. 
 
Como ele lidava com as críticas e rumores que recebia da imprensa? Ele era acusado de ser sexista, de não gostar de ser judeu, recluso…
Depende do dia. Às vezes ele ficava furioso. Em outros, levava bem. Mas sempre ficava triste. Diziam que ele era pouco amigável, que odiava mulheres, sendo que tinha três filhas e as amava. E trabalhava com muitas mulheres. Ele achava injusto. Houve o caso de um homem que fingia ser Stanley para seduzir menores de 18 anos. “Ah, agora sou um molestador de crianças”, ele lamentava. Quando Glória Feita de Sangue foi lançado, a França o odiava. Quando Laranja Mecânica foi lançado, foi um escândalo na Inglaterra. Acho que todo cineasta que tenha uma opinião, que diga algo com seus filmes, passa por isso. Quem é bem sucedido – de diretores sofisticados a atores de Crepúsculo. Mas Stanley preferia ficar em silêncio para não honrar essa imprensa ruim. 
 
E a senhora, como lidava com isso tudo?
Só descobri o que diziam depois que ele morreu. Doeu mais ainda. Se você se defende, fica pior. Chegamos a escrever um artigo, eu e minhas filhas, dizendo tudo que era verdade e tudo que não era a respeito de Stanley. Mas só. 
 
Como a senhora gostaria que Stanley Kubrick fosse lembrado pela história?
Exatamente como ele gostaria de ser lembrado. Um homem que fez filmes fantásticos, que era uma boa pessoa, bom pai, bom marido. Uma qualidade em particular é sempre negada a pessoas que não são religiosas: ele tinha moral, era responsável. Eu gostaria de realizar esta fantasia dele, de ser lembrado desta forma. 
 
SERVIÇO – EXPOSIÇÃO STANLEY KUBRICK
Quando: Até 12 de janeiro de 2014
Onde: Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, São Paulo (SP)
Quanto: De R$ 10 a R$ 20

int(1)

"A montagem é única, ninguém tinha feito assim", diz viúva de Kubrick sobre mostra em SP