Uma longa viagem

Pela cara de bom moço logo dá para perceber que o ator Caio Blat é desse rolê mais zen. O objetivo de todo santo dia do cara é encontrar essa tal de "serenidade"
Créditos: gabriel quintão

Embora a aparência seja de alguém muito mais novo, o ator Caio Blat, de 31 anos, soma 20 anos de carreira e grandes personagens em seu currículo. Atualmente, ele está em cartaz com dois filmes: Xingu, de Cao Hambuger, e Uma Longa Viagem, de Lúcia Murat, que estreia nesta sexta-feira (11).

Enquanto em Xingu o ator interpreta um dos irmãos Villas-Boas, que se alistam para a Expedição Roncador-Xingu, em 1943, em Uma Longa Viagem Caio interpreta o jovem Heitor, irmão da cineasta Lucia, que foi a Londres nos anos 60 para se refugiar da ditadura no Brasil.

Neste último, ele faz o seu primeiro monólogo, mescla filme e documentário, e atua em meio as projeções. “Acho importante o cinema brasileiro estar mergulhado cada vez mais em histórias pessoais, íntimas, ao invés dos grandes temas. Mais que reviver a época, sentimos o que as pessoas sentiram na época”, defende.

Em entrevista exclusiva ao Virgula Diversão, o ator fala sobre cinema brasileiro, carreira e sobre a atual geração. “Sabemos de tudo, mas nos aprofundamos muito pouco”, disse. Veja a entrevista:
 

Embora muitos artistas brasileiros invistam atualmente na carreira internacional, você declarou que não tem esse objetivo. O cinema brasileiro te satisfaz?
Tenho satisfação total em trabalhar no Brasil. Acho o nosso cinema um dos melhores do mundo, existem projetos fascinantes acontecendo o tempo todo. Então, estou no lugar certo. Além disso, comecei muito novo, tenho 20 anos de carreira, filho e não tenho tempo para investir em uma carreira internacional. Para isso, teria que ir para fora do Brasil, ficar fazendo teste, conhecer agentes, produtores… Eu trabalho muito aqui no Brasil, graças a Deus, e a minha família faz muita falta. Definitivamente, carreira internacional não está em meus planos. Tenho muitos projetos e ainda quero produzir um filme por aqui. 

Em sua opinião, quais são as mudanças mais significativas que ocorreram no cinema brasileiro nos últimos anos?
O cinema brasileiro está mergulhando cada vez mais em histórias pessoais, íntimas, ao invés de grandes temas como a história do país. Essas questões mais amplas ficam como pano de fundo da história e, na minha opinião, acaba sendo mais revelador. Penso que, mais que reviver a época, acabamos sentindo o que as pessoas sentiram na época. E isso é extremamente importante.

Em cartaz com dois filmes, cujos temas são políticos, quais são os seus critérios no momento de aceitar ou rejeitar um papel?
Uso muitos critérios. Desde a disponibilidade de agenda, até a  afinidade com o diretor, com o roteiro e com a personagem. A agenda é muito importante, pois estou sempre trabalhando na televisão, então o filme tem que se encaixar entre esses trabalhos. Não é tão simples…

No caso de Uma Longa Viagem, o que te motivou a participar?
Tudo. Tenho uma afinidade muito grande com a Lúcia, uma admiração muito grande pelos trabalhos dela. Falávamos da possibilidade de trabalharmos juntos um dia e fiquei muito feliz quando li o roteiro. Vi uma história tão pessoal, tão íntima, então foi um convite muito delicado, muito afetivo. Além disso, tenho afinidade com essa época, com as utopias, com o jeito de pensar, com a vontade polícia que os jovens tinham. Fui motivado também pelo desafio de fazer um filme sozinho, decorando uma quantidade muito grande de textos documentais, em uma história tão delicada. 

O pano de fundo do filme fala sobre a ditadura no Brasil. Embora ainda se fale muito sobre esse período, você acha que as gerações atuais têm consciência do que representou a ditadura?
Acho que a gente nunca vai ter consciência. Nascemos em um estado democrático, com liberdade para falar livremente, então nunca vamos ter a consciência do que é viver na censura. Visitei alguns países fechados e tive uma breve impressão do que é. Em Cuba, por exemplo, que era um país que eu tinha tanta admiração por toda revolução, fiquei horrorizado por ver que os jovens não tinham acesso à internet, não tinham acesso à imprensa internacional. Eu fiquei por lá durante 10 dias e não fiquei sabendo que aconteceu um tsunami no Japão.

Após o filme, fez alguma reflexão sobre a sua geração?
Não gosto de fazer análise sobre a minha geração. Mas eu acho que a gente vive em um momento em que os ideais deram uma esfriada, as utopias esfriaram, os partidos se igualaram, há também uma grande desilusão com a política. Vivemos em um tempo em que tudo é relativo, não existem grandes valores absolutos, o interesse é menos coletivo. Os próprios artistas investem na carreira individual. Penso que a velocidade das relações, das informações, tudo isso molda o nosso jeito de olhar o mundo. Hoje, a gente pensa em um monte de coisas ao mesmo tempo, mas não nos aprofundamos em nada.

De qual maneira a história de Lucia e Heitor mexeu com você e deve mexer com o público?
A história mexe nos aspectos em que aborda o equilíbrio da mente humana, que é muito delicada, muito frágil. A maior viagem do Heitor não é a viagem ao redor do planeta, mas a viagem para dentro dele, na busca por questionamentos, por novas formulas de consciência.  Mexe na reflexão da nossa própria segurança emocional, pois qualquer um a qualquer momento pode se perder, pode se sentir angustiado, sozinho, entrar em depressão. É um filme sobre o processo psicológico, extremamene delicado. 

Como se deu a construção do personagem? Chegou a conversar pessoalmente com o Heitor?
Claro, me encontrei com o Heitor, conversei com ele. A conversa foi muito boa porque pude sacar as ironias, perceber que tinha muita ironia nas cartas, nas entrelinhas. Acho que foi uma reconstrução afetiva e também uma construção da memória. Afinal, muito mais que uma reconstrução da viagem, é uma reconstrução do que a viagem significou para ele e para a Lúcia, que estava presa recebendo aquelas cartas. O grande trunfo do filme é o próprio Heitor, o senso de humor dele. Ele é muito sedutor, carismático, o humor dele é contagiante. Acho que todos vão gostar. 

Para finalizar, fale sobre o filme que pretende produzir. Ele já está em andamento?
Já está. Foi uma vontade que me deu depois de filmar tanto, de aprender tanto. Estou com o roteiro pronto, é uma adaptação do Christovam Tezza, que se chama Juliano Pavollini. Fala sobre a história de um menino dos anos 50, que foge da roça para viver na cidade grande. O que posso adiantar? A Cássia Kiss Magro vai ser a protagonista. 


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