Ney Matogrosso

Como um “autorretrato em terceira pessoa”, assim é o documentário “Olho Nu”, segundo o diretor Joel Pizzini, que colocou o cantor Ney Matogrosso em frente à câmara para, através de sua memória visual, resgatar a vida de um dos artistas que mudou a moralidade do país.

“Matogrosso é um enigma que tentamos explicar”, declarou Pizzini à Agência Efe em uma entrevista concedida após a apresentação de seu documentário no Amazonas Film Festival, realizado nesta semana em Manaus e na qual “Olho Nu”, o único em competição, foi muito aplaudido pelos presentes.

O filme em questão percorre a vida criativa de um artista que fez da provocação moral e da libido parte consubstancial de seu processo criativo e que, em plena ditadura militar, apareceu como uma figura fundamental da cena cultural.

Com um sistema narrativo não linear e nem cronológico, que, segundo Pizzini, elude “a reação causa-efeito”, o documentário parte dos “fragmentos de memória” de Matogrosso para expor sua obra perante o espectador.

“Tudo acontece ao mesmo tempo; o que importa é o sentido estético”, resumiu Pizzini.

Precisamente, a estética teve um papel fundamental na carreira de Matogrosso, ainda em atividade e que durante muitos anos se definiu como “um ator que canta”, tendo em vista que o mesmo realizou diversos projetos teatrais alheios à música durante sua carreira.

Em relação ao processo de elaboração, que se distanciou do documentário televisivo para se adaptar à linguagem cinematográfica, o trabalho de documentação teve um papel fundamental com a análise e transcrição de mais 500 horas de vídeo, um trabalho realizado muito bem pelo assistente de direção Rafael Sa’ar, “uma figura chave na elaboração do filme”, segundo o próprio Pizzini.

Sa’ar foi o encarregado de recopilar, analisar e transcrever essas 500 horas de gravação. “Agora, ele conhece minha vida melhor que eu”, afirmou Matogrosso durante a apresentação da filme no Teatro de Manaus.

As imagens de arquivo são alternadas com algumas recentes gravadas para a ocasião na cidade de origem do artista brasileiro, Bela Vista, no Mato Grosso do Sul e próximo à fronteira paraguaia.

O documentário procura zelar a pessoa por trás do personagem, um artista que, em plena ditadura, atacou frontalmente os clichês morais da sociedade fazendo da ambiguidade sexual e da libido partes fundamentais de sua arte.

Desta forma, Matogrosso conseguiu alterar grande parte das premissas éticas de sua época e se transformou “em um sobrevivente, já que conseguiu lidar muito bem com o passado”, afirmou Pizzini.

Para atravessar a couraça do personagem, o diretor teve que superar a tendência de não se expor em público de Matogrosso, que, no início de sua carreira, chegou a incorporar elementos para resguardar sua identidade, como máscaras e fantasias.

“Por conta dessa capacidade camaleônica há vários Matogrossos”, assegurou Sa’ar, que ressaltou a preocupação do diretor em abordar “todos os possíveis”. “Acima de tudo, ele é um artista vitorioso”, conclui Pizzini. 


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"Ney Matogrosso é um enigma", diz diretor de filme sobre cantor